Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Casimiro de Abreu - Minh’alma é triste

Distintamente da rolinha que aparece na pintura desta postagem, Casimiro descreve, neste belo poema canônico, como se sente afastado de sua amada: tal qual uma rola que perdeu o companheiro ou a voz do sino carpindo um morto, ou ainda a flor que morre à beira do riacho.

Vê-se no poema toda a melancolia e pessimismo característicos da segunda geração do romantismo brasileiro, a denominada geração do “mal do século”, com poetas que cedo feneceram, como o próprio Casimiro, Álvares de Azevedo e Junqueira Freire.

J.A.R. – H.C.

Casimiro de Abreu
(1839-1860)

Minh’alma é triste

                 Mon cœur est plein – je veux pleurer!
                     (Lamartine)

Minh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

E, como a rola que perdeu o esposo,
Minh’alma chora as ilusões perdidas
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.

E como notas de chorosa endeixa    
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.

Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minha’alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou o estio.

Dizem que há gozos nas mundanas galas,
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
– Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque – mas a minh’alma é triste!

Minh’alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.

Se passa um bote com as velas soltas,
Minh’ahna o segue n’amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.

Às vezes, louca, num cismar perdida,
Minh’alma triste vai vagando à toa,
Bem como a folha que do sul batida
Boia nas águas de gentil lagoa!

E como a rola que em sentida queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minha’ahna em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive outrora.

Dizem que há gozos no correr dos anos!
Só eu não sei em que o prazer consiste.
– Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos – a minh’alma é triste!

Minh’alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce canto o sabiá do mato;

E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!

Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
Outro tirou a virginal capela.

Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços,
Ambos choramos, mas num só gemido!

Dizem que há gozos no viver d’amores,
Só eu não sei em que o prazer consiste!
– Eu vejo o mundo na estação das flores...
Tudo sorri – mas a minh’alma é triste!

Minh’alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto:
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
Longe da praia que julgou tão perto!

A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
– Pulava o sangue e me fervia a vida,
Ardendo a fronte em bacanal vertigem.

De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s’reia
Que em doce canto me atraiu na infância.

Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp’ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
– Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!

Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste!
– No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores – a minh’alma é triste!

(12 de março de 1858)

Par de Rolas
(Alan Hunt: artista inglês)

Referência:

ABREU, Casimiro de. Minh’alma é triste. In: __________. Obras completas. Rio de Janeiro, RJ: Garnier, 1895. p. 300-303.

Nenhum comentário:

Postar um comentário