Distintamente da rolinha que aparece na pintura desta postagem, Casimiro
descreve, neste belo poema canônico, como se sente afastado de sua amada: tal
qual uma rola que perdeu o companheiro ou a voz do sino carpindo um morto, ou
ainda a flor que morre à beira do riacho.
Vê-se no poema toda a melancolia e pessimismo característicos da segunda
geração do romantismo brasileiro, a denominada geração do “mal do século”, com
poetas que cedo feneceram, como o próprio Casimiro, Álvares de Azevedo e Junqueira
Freire.
J.A.R. – H.C.
Casimiro de Abreu
(1839-1860)
Minh’alma é triste
Mon cœur est plein – je veux pleurer!
(Lamartine)
Minh’alma é triste
como a rola aflita
Que o bosque acorda
desde o albor da aurora,
E em doce arrulo que
o soluço imita
O morto esposo
gemedora chora.
E, como a rola que
perdeu o esposo,
Minh’alma chora as
ilusões perdidas
E no seu livro de
fanado gozo
Relê as folhas que já
foram lidas.
E como notas de
chorosa endeixa
Seu pobre canto com a
dor desmaia,
E seus gemidos são
iguais à queixa
Que a vaga solta quando
beija a praia.
Como a criança que
banhada em prantos
Procura o brinco que
levou-lhe o rio,
Minha’alma quer
ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que
murchou o estio.
Dizem que há gozos
nas mundanas galas,
Mas eu não sei em que
o prazer consiste.
– Ou só no campo, ou
no rumor das salas,
Não sei porque – mas
a minh’alma é triste!
Minh’alma é triste
como a voz do sino
Carpindo o morto
sobre a laje fria;
E doce e grave qual
no templo um hino,
Ou como a prece ao
desmaiar do dia.
Se passa um bote com
as velas soltas,
Minh’ahna o segue n’amplidão
dos mares;
E longas horas
acompanha as voltas
Das andorinhas
recortando os ares.
Às vezes, louca, num
cismar perdida,
Minh’alma triste vai
vagando à toa,
Bem como a folha que
do sul batida
Boia nas águas de
gentil lagoa!
E como a rola que em
sentida queixa
O bosque acorda desde
o albor da aurora,
Minha’ahna em notas
de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que
já tive outrora.
Dizem que há gozos no
correr dos anos!
Só eu não sei em que
o prazer consiste.
– Pobre ludíbrio de
cruéis enganos,
Perdi os risos – a
minh’alma é triste!
Minh’alma é triste
como a flor que morre
Pendida à beira do
riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a
viração que corre,
Nem doce canto o
sabiá do mato;
E como a flor que
solitária pende
Sem ter carícias no
voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas
ninguém entende
Que a pobrezinha só
de amor precisa!
Amei outrora com amor
bem santo
Os negros olhos de
gentil donzela,
Mas dessa fronte de
sublime encanto
Outro tirou a
virginal capela.
Oh! quantas vezes a
prendi nos braços!
Que o diga e fale o
laranjal florido!
Se mão de ferro
espedaçou dois laços,
Ambos choramos, mas
num só gemido!
Dizem que há gozos no
viver d’amores,
Só eu não sei em que
o prazer consiste!
– Eu vejo o mundo na
estação das flores...
Tudo sorri – mas a
minh’alma é triste!
Minh’alma é triste
como o grito agudo
Das arapongas no
sertão deserto:
E como o nauta sobre
o mar sanhudo,
Longe da praia que
julgou tão perto!
A mocidade no sonhar
florida
Em mim foi beijo de
lasciva virgem:
– Pulava o sangue e
me fervia a vida,
Ardendo a fronte em
bacanal vertigem.
De tanto fogo tinha a
mente cheia!...
No afã da glória me
atirei com ânsia...
E, perto ou longe,
quis beijar a s’reia
Que em doce canto me
atraiu na infância.
Ai! loucos sonhos de
mancebo ardente!
Esp’ranças altas...
Ei-las já tão rasas!...
– Pombo selvagem,
quis voar contente...
Feriu-me a bala no
bater das asas!
Dizem que há gozos no
correr da vida...
Só eu não sei em que
o prazer consiste!
– No amor, na glória,
na mundana lida,
Foram-se as flores –
a minh’alma é triste!
(12 de março de 1858)
Par de Rolas
(Alan Hunt: artista
inglês)
Referência:
ABREU, Casimiro de. Minh’alma é triste. In:
__________. Obras completas. Rio de
Janeiro, RJ: Garnier, 1895. p. 300-303.
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