Os sonetos do paulista Paulo Bonfim têm fluência natural, acessível, sem apelarem
para soluções fáceis. Quero com isso dizer que, em suas criações, não são
necessárias frequentes inversões ou trânsito forçado de palavras, para
provê-las ou bem de rima ou bem de métrica, quando não de ambas. Afinal, o
conteúdo está a serviço da clareza e da eficiente disposição das palavras.
Veja-se, por exemplo, o soneto abaixo: nenhum vocábulo extraído a
fórceps do dicionário, nada de alusões a figuras míticas à moda clássica.
Somente uma prosa de intelecção direta, desembaraçadamente correlacionada à expressão
bíblica: “No princípio era o verbo (ou a palavra)!...
J.A.R. – H.C.
Paulo Bomfim
(n. 1926)
Das Palavras
Somos palavras, quem
nos pronuncia
E nos une em
sentenças tão estranhas,
Quem anda a soletrar
pelas montanhas
Os nomes aquecendo a
tarde fria?
Quem nos profere com
melancolia,
Quem gesta nossas
letras nas entranhas,
E nos faz caminhar
entre tamanhas
Contradições da noite
à luz do dia?
Ah! sopro que nos
sopra sem ter boca,
Letras, quem ousaria
assim tecê-las
No labirinto da
garganta rouca?
Quem ousaria pois
falar contudo,
Se o sangue das
vogais vem das estrelas,
E as palavras se
perdem num céu mudo!
A Criação da Luz
(Gustave Doré:
artista francês)
Referência:
BOMFIM, Paulo. Das palavras. In:
__________. Livro dos sonetos. São
Paulo, SP: El - Edições Inteligentes; Madrid, ES: Amaral Gurgel Editorial,
2006. p. 181.
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