Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Alejandra Pizarnik - nesta noite, neste mundo

Mesmo as palavras têm o seu limite de significação, em relação a todo o espectro das emoções humanas, muitas das quais intraduzíveis em poemas ou outras manifestações da linguagem.

É do que nos procura convencer a poetisa argentina Pizarnik, neste seu primoroso poema. Escrito com perspicácia e sensibilidade, os sulcos que aos poucos ele firma na intelecção do leitor resulta exatamente no eterno questionamento sobre a prescindibilidade ou não da poesia...

J.A.R. – H.C.

Alejandra Pizarnik
(1936-1972)

en nesta noche, en este mundo

I

en nesta noche en este mundo
las palabras del sueño de la infancia de la muerte
nunca es eso lo que uno quiere decir
la lengua natal castra
la lengua es un órgano de conocimiento
del fracaso de todo poema
castrado por su propia lengua
que es el órgano de la re-creación
del re-conocimiento
pero no el de la resurrección
de algo a modo de negación
de mi horizonte de maldoror con su perro
y nada es promesa
entre lo decible
que equivale a mentir
(todo lo que se puede decir es mentira)
el resto es silencio
sólo que el silencio no existe

II

no
las palabras
no hacen el amor
hacen la ausencia
si digo agua ¿beberé?
si digo pan ¿comeré?

III

en esta noche en este mundo
extraordinario silencio el de esta noche
lo que pasa con el alma es que no se ve
lo que pasa con la mente es que no se ve
lo que pasa con el espíritu es que no se ve
¿de dónde viene esta conspiración de invisibilidades?
ninguna palabra es visible

sombras
recintos viscosos donde se oculta
la piedra de la locura
corredores negros
los he recorrido todos
¡oh quédate un poco más entre nosotros!

mi persona está herida
mi primera persona del singular

escribo como quien con un cuchillo alzado en la oscuridad
escribo como estoy diciendo
la sinceridad absoluta continuaría siendo
lo imposible
¡oh quédate un poco más entre nosotros!

IV

los deterioros de las palabras
deshabitando el palacio del lenguaje
el conocimiento entre la piernas
¿qué hiciste del don del sexo?
oh mis muertos
me los comí me atraganté
no puedo más de no poder más
palabras embozadas
todo se desliza
hacia la negra liquefacción

V

y el perro de maldoror
en esta noche en este mundo
donde todo es posible
salvo
el poema

VI

hablo en fácil hablo en difícil
sabiendo que no se trata de eso
siempre no se trata de eso
oh ayúdame a escribir el poema más prescindible
el que no sirva ni para
ser inservible
ayúdame a escribir palabras
en esta noche en este mundo

8 de octubre 1971

Pão e Água
(Hall Groat II: artista norte-americano)

nesta noite, neste mundo

A Martha Isabel Moia

I

nesta noite neste mundo
as palavras do sonho da infância da morte
nunca é isso que alguém quer dizer
a língua natal castra
a língua é um órgão de conhecimento
do fracasso de todo poema
castrado por sua própria língua
que é o órgão da re-criação
do re-conhecimento
porém não o da ressurreição
de algo a modo de negação
de meu horizonte de maldoror com seu cão
e nada é promessa
entre o dizível
que equivale a mentir
(tudo o que se pode dizer é mentira)
o resto é silêncio
só que o silêncio não existe

II

não
as palavras
não fazem o amor
fazem a ausência
se digo água, beberei?
se digo pão, comerei?

III

nesta noite neste mundo
extraordinário silêncio o desta noite
o que se passa com a alma é o que não se vê
o que se passa com a mente é o que não se vê
o que se passa com o espírito é o que não se vê
de onde vem esta conspiração de invisibilidades?
nenhuma palavra é visível

sombras
recintos viscosos onde se oculta
a pedra da loucura
corredores negros
os que tenho percorrido todos
oh fica-te um pouco mais entre nós!

minha pessoa está ferida
minha primeira pessoa do singular

escrevo como quem ergue uma faca na escuridão
escrevo como estou dizendo
a sinceridade absoluta continuará sendo
o impossível
oh fica-te um pouco mais entre nós!

IV

os desgastes das palavras
desabitando o palácio da linguagem
o conhecimento entre as pernas
o que fizeste do dom do sexo?
oh meus mortos
eu os comi e me engasguei
não posso mais de não poder mais
palavras obstruídas
tudo se desliza
até a negra liquefação

V

e o cão de maldoror
nesta noite neste mundo
onde tudo é possível
salvo
o poema

VI

falo no fácil falo no difícil
sabendo que não se trata disso
sempre não se trata disso
oh ajuda-me a escrever o poema mais prescindível
    o que não sirva nem para
    ser inservível
ajuda-me a escrever palavras
nesta noite neste mundo

8 de outubro de 1971

Referência:

PIZARNIK, Alejandra. en esta noche, en este mundo. In: BORDA, Juan Gustavo Cobo (Selección, prólogo y notas). Antología de la poesía hispanoamericana. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1985. p. 463-465. (Colección “Tierra Firme”)

Um comentário:

  1. Maravilhoso. Mais um admirador de Pizarnik de quem me aproximo. Ela foi mesmo FANTÁSTICA. Vida curta. talento infindável. Parabéns... Ah! Também sou de Brasília.

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