Para os amantes do “haicai”, posto por ora uma passagem de “Sendas de
Ôku”, do poeta japonês Bashô, com quatro exemplares. Haicai, sucintamente, é
uma composição de três versos com, respectivamente, cinco, sete e cinco
sílabas, que, por estas paragens, acabaram por se converter em sílabas
poéticas, tal como os vates escandem os seus versos metrificados. Você poderá obter
maiores informações neste endereço na
internet.
Aliás, a bem dizer, penso que esta seja a primeira vez em que o poema da
postagem tem origem oriental. Não sem motivo, afinal, não possuo tantos
exemplares de livros de poesia, por exemplo, do Japão ou da China, pois o
mercado editorial nacional deixa muito a desejar nesse mister, e, ainda mais
grave, não tenho afinidade com os logogramas por meio dos quais aqueles povos
se expressam. Conclusão: uma lacuna a ser preenchida, quem sabe, num futuro
próximo!
J.A.R. – H.C.
Matsuo Bashô
(1644-1694)
Os Montes Gessan e Yudono-Yama
No oitavo dia escalei
o monte Gessan. Usava um cachecol de algodão nos ombros e um capuz branco na
cabeça. Conduzido pelo guia, caminhei oito ris sobre neves, sob nuvens e entre
névoas. Era como andar por essas passagens de bruma nas rotas do sol e da lua.
Ao chegar ao cume, o corpo gelado e a respiração entrecortada, o sol se punha e
a lua aparecia. Cortei ervas que nascem junto ao bambu para usá-las como
travesseiro, me estendi e esperei que amanhecesse. Quando as sombras se
dissiparam e o sol apareceu pus-me de pé e iniciei minha caminhada em direção a
Yudono.
Em um canto do vale
encontra-se a “cabana dos forjadores”. Nesta província os forjadores usam água
sagrada do vale para seus ritos de purificação e só depois de cumpri-los batem
suas espadas, as que estampam a marca Gessan, de grande renome em seu tempo.
Com certeza seguem o exemplo daqueles chineses que forjavam suas espadas na
fonte do Dragão; a devoção desses ferreiros por seu ofício os levou a forjar
sabres dignos dos mais famosos, como Kansyo e Bakuya. (1)
Sentei-me sobre uma
pedra e enquanto descansava descobria uma árvore de cerejeira de três shakus de altura, com as flores em botão
entreabertas. Maravilhosa lição a desta cerejeira tardia, que não esquecia a
primavera, mesmo sepultada sob a neve. Flores e gelo me recordaram aquelas
flores de cerejeira sob um céu incandescente de que fala uma poesia chinesa; e
também me fizeram pensar no poema do mestre Gyoson – e ainda com maior
intensidade. (2)
Segundo as leis dos
peregrinos budistas, está proibido dar pormenores do que veem os olhos neste
monte; obedeço e me calo... Regressei ao templo que nos servia de pousada e a
pedido do Prior escrevi os seguintes poemas sobre nossa peregrinação aos três
montes:
Ah, o frescor!
A lua, arco apenas
sobre o Asa Negra. (3)
Picos de nuvens
sobre o monte lunar:
feitos, desfeitos. (4)
Sobre Yudono
nem uma palavra: olha
minhas mangas molhadas. (5)
Sora escreveu este
poema:
Yudono, piso
a senda das moedas
e correm-me as lágrimas. (6)
Trilha de Peregrinação
à Montanha Gassan (Montanha da Lua)
Notas:
(1). Em todo este parágrafo, loa da
habilidade dos ferreiros japoneses tanto como de sua piedade religiosa, Bashô
os compara com os chineses. A Fonte do Dragão: Lung Sh’üan (em japonês Ryusen).
Kansyo e Bakuya (Kan Chiang e Mo Yeh), dupla de forjadores chineses da dinastia
Wu.
(2). A poesia de Gyoson (1057-1135) a
que se refere, figura na coleção Kinyoh (1127). Quando o bonzo Gyoson se
entregava a seus exercícios religiosos, nas profundidades do monte Yoshino,
escreveu este poema:
Faz como eu
e me compreende,
cerejeira silvestre;
que ninguém me
conheça
salvo tuas flores.
(3). Asa Negra: o monte Haguro.
(4). Monte Gessan: Monte da Lua. Uma
versão anterior:
Entre os tombados
picos das nuvens
o Monte da Lua.
(5). “Mangas molhadas”: se subentende “com
minhas lágrimas”.
(6). No caminho para o monte Yudono, os
peregrinos deixam cair moedas como oferendas. O poeta as pisa e se emociona.
Referência:
BASHÔ, Matsuo. Os montes Gessan e
Yudono-Yama. In: __________. Sendas de
Ôku. Tradução de Olga Savary. 2. ed. São Paulo, SP: Roswitha Kempf /
Editores, 1986. p. 81 e 82, 105 e 106.
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