Sem pretender instaurar um programa ou uma concepção universal para a
criação poética, Verlaine, de fato, traduz nesse famoso poema o seu próprio
ideal de uma poesia pura, focada nas sensações, como se uma transposição
musical fosse dos estados d’alma.
Trata-se de uma concepção estética em constante evolução, crítica em
relação aos padrões de poesia que lhe antecederam. Nela, há a apologia do
efêmero em oposição às regras dogmáticas dos cânones estabelecidos. Verlaine,
em todo caso, não deixa de reconhecer que cada autor tem uma concepção própria
do que seja a beleza ou, de outro modo, o ideal de poesia.
J.A.R. – H.C.
Paul Verlaine
(1844-1896)
Art Poétique
A
Charles Morice
De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui
pèse ou qui pose.
Il faut aussi que tu
n’ailles point
Choisir tes mots sans
quelque méprise:
Rien de plus cher que
la chanson grise
Où l’Indécis au
Précis se joint.
C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi,
C’est, par un ciel d'automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles!
Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance!
Oh! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la
flûte au cor!
Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les
yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine!
Prends l’éloquence et tords-lui son cou!
Tu feras bien, en
train d’énergie,
De rendre un peu la
Rime assagie.
Si l’on n’y veille,
elle ira jusqu’où?
O qui dira les torts
de la Rime?
Quel enfant sourd ou
quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou
d’un sou
Qui sonne creux et
faux sous la lime?
De la musique encore
et toujours!
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à
d’autres amours.
Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym...
Et tout le reste est littérature.
Música e Poesia
(Paul Hartal: pintor
e poeta canadense)
Arte Poética
A Charles Morice
Antes de tudo, a
Música. Preza
Portanto o Ímpar. Só
cabe usar
O que é mais vago e
solúvel no ar,
Sem nada em si que pousa
ou que pesa.
Pesar palavras será
preciso,
Mas com algum desdém
pela pinça:
Nada melhor do que a
canção cinza
Onde o Indeciso se
une ao Preciso.
Uns belos olhos atrás
do véu,
O lusco-fusco no
meio-dia,
A turba azul de
estrelas que estria
O outono agônico pelo
céu!
Pois a Nuance é que
leva a palma,
Nada de Cor, somente
a nuance!
Nuance, só, que nos
afiance
O sonho ao sonho e a
flauta na alma!
Foge do Chiste, a
Farpa mesquinha,
Frase de espírito,
Riso alvar,
Que o olho do Azul
faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa
cozinha!
A eloquência?
Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de
uma vez
A rima com certa
sensatez
Ou vamos todos parar
no fosso!
Quem nos dirá dos
males da rima!
Que surdo absurdo ou
que negro louco
Forjou em joia este
toco oco
Que soa falso e vil
sob a lima?
Música ainda, e
eternamente!
Que teu verso seja o
voo alto
Que se desprende da
alma no salto
Para outros céus e
para outra mente.
Que teu verso seja a
aventura
Esparsa ao árdego ar
da manhã
Que enchem de aroma o
timo e a hortelã...
E todo o resto é
literatura.
Referência:
VERLAINE, Paul. Art poétique / Arte
poética. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de. O anticrítico. São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 1986. Em francês: p. 146 e 148; em português: p. 147 e 149.
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