Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 2 de abril de 2016

Luís Vaz de Camões - Foge-me pouco a pouco a curta vida

Para os amantes das letras clássicas, transcrevemos nesta postagem uma sextina – forma fixa de poema – do maior dos poetas lusitanos, lídima recensão de hipérbatos e outras figuras de linguagem, em meio ao seu altissonante estilo.

Nem se há de falar que o tema não foge às marcas das agruras que a vida lhe impôs, afinal, reiteradas vezes, o poeta alude às desilusões amorosas e ao desconcerto deste mundo, aqui como em muitas outras de suas criações.

J.A.R. – H.C.

Luís Vaz de Camões
(1524-1580)

Sextina

Foge-me pouco a pouco a curta vida
(se por caso é verdade que inda vivo);
vai-se-me o breve tempo d’ante os olhos;
choro pelo passado e quando falo,
se me passam os dias passo e passo,
vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.

Que maneira tão áspera de pena!    
Que nunca uma hora viu tão longa vida
em que possa do mal mover-se um passo!
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que choro, enfim? Para que falo,
se lograr-me não pude de meus olhos?

Ó formosos, gentis e claros olhos,
cuja ausência me move a tanta pena,
quanta se não compreende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
de vós m’inda inflamasse o raio vivo,
por bem teria tudo quanto passo.

Mas bem sei, que primeiro o extremo passo
me há-de vir a cerrar os tristes olhos
que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
que escreveram de tão molesta vida
o menos que passei, e o mais que falo.

Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!
Que se de um pensamento noutro passo,
vejo tão triste gênero de vida
que, se lhe não valerem tantos olhos,
não posso imaginar qual seja a pena
que traslade esta pena com que vivo.

N’alma tenho contínuo um fogo vivo,
que, se não respirasse no que falo,
estaria já feita cinza a pena;
mas, sobre a maior dor que sofro e passo,
me temperam as lágrimas dos olhos,
com que, fugindo, não se acaba a vida.

Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
vejo sem olhos, e sem língua falo;
e juntamente passo glória e pena.

Influência Verde
(Tibor Nagy: artista eslovaca)

Referência:

CAMÕES, Luís Vaz de. Sextina: Foge-me pouco a pouco a curta vida. In: __________. Rimas. Texto estabelecido e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra, PT: Acta Universitatis Conimbrigensis / Por ordem da Universidade, 1953. p. 328-329.

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