Para os amantes das letras clássicas, transcrevemos nesta postagem uma
sextina – forma fixa de poema
– do maior dos poetas lusitanos, lídima recensão de hipérbatos e outras figuras
de linguagem, em meio ao seu altissonante estilo.
Nem se há de falar que o tema não foge às marcas das agruras que a vida
lhe impôs, afinal, reiteradas vezes, o poeta alude às desilusões amorosas e ao
desconcerto deste mundo, aqui como em muitas outras de suas criações.
J.A.R. – H.C.
Luís Vaz de Camões
(1524-1580)
Sextina
Foge-me pouco a pouco
a curta vida
(se por caso é
verdade que inda vivo);
vai-se-me o breve
tempo d’ante os olhos;
choro pelo passado e
quando falo,
se me passam os dias
passo e passo,
vai-se-me, enfim, a
idade e fica a pena.
Que maneira tão
áspera de pena!
Que nunca uma hora
viu tão longa vida
em que possa do mal
mover-se um passo!
Que mais me monta ser
morto que vivo?
Para que choro,
enfim? Para que falo,
se lograr-me não pude
de meus olhos?
Ó formosos, gentis e
claros olhos,
cuja ausência me move
a tanta pena,
quanta se não compreende
enquanto falo!
Se, no fim de tão
longa e curta vida,
de vós m’inda
inflamasse o raio vivo,
por bem teria tudo
quanto passo.
Mas bem sei, que
primeiro o extremo passo
me há-de vir a cerrar
os tristes olhos
que Amor me mostre
aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a
tinta e pena,
que escreveram de tão
molesta vida
o menos que passei, e
o mais que falo.
Oh! que não sei que
escrevo, nem que falo!
Que se de um
pensamento noutro passo,
vejo tão triste gênero
de vida
que, se lhe não
valerem tantos olhos,
não posso imaginar
qual seja a pena
que traslade esta
pena com que vivo.
N’alma tenho contínuo
um fogo vivo,
que, se não
respirasse no que falo,
estaria já feita
cinza a pena;
mas, sobre a maior
dor que sofro e passo,
me temperam as
lágrimas dos olhos,
com que, fugindo, não
se acaba a vida.
Morrendo estou na
vida, e em morte vivo;
vejo sem olhos, e sem
língua falo;
e juntamente passo glória
e pena.
Influência Verde
(Tibor Nagy: artista
eslovaca)
Referência:
CAMÕES, Luís Vaz de. Sextina: Foge-me
pouco a pouco a curta vida. In: __________. Rimas. Texto estabelecido e prefaciado por Álvaro J. da Costa
Pimpão. Coimbra, PT: Acta Universitatis Conimbrigensis / Por ordem da
Universidade, 1953. p. 328-329.
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