Além de reputado líder e patriota cubano, José Marti foi um grande
poeta, como ilustra o poema que ora trazemos para abrilhantar este espaço. Trata
ele da “sede” de beleza que o assola, e, para tanto, menciona nomes que ficaram
na história por estarem associados à experiência do belo: Cellini, Milo, Louvre,
Fra Angelico, Hamlet, Otelo... e uma manceba índia que o encantou em Chichén.
Os versos de Martí são intricados, de modo a dificultar a tarefa do leitor em decifrar as ideias
que neles estão assentes. São muitos os hipérbatos e, por isso, julgamos
oportuno apresentar duas versões em português aos internautas: uma na mesma ordem em que as palavras se apresentam no original, e outra em que se busca fixar
o fluxo mais franco e direto dos pensamentos, de modo a facilitar o preciso entendimento do
poema.
J.A.R. – H.C.
José Martí
(1853-1895)
Sed de Belleza
Solo, estoy solo:
viene el verso amigo,
Como el esposo
diligente acude
De la erizada tórtola
al reclamo.
Cual de los altos
montes en deshielo
Por breñas y por
valles en copiosos
Hilos las nieves
desatadas bajan –
Así por mis entrañas
oprimidas
Un balsámico amor y
una avaricia
Celeste, de hermosura
se derraman.
Tal desde el vasto
azul, sobre la tierra,
Cual si de alma
virgen la sombría
Humanidad sangrienta
perfumasen,
Su luz benigna las
estrellas vierten
¡Esposas del silencio!
– y de las flores
Tal el aroma vago se
levanta.
Dadme lo sumo y lo
perfecto. Dadme
Un dibujo de Ángelo;
una espada
Con puño de Cellini,
más hermosa
Que las techumbres de
marfil calado
Que se place en
labrar Naturaleza.
El cráneo augusto
dadme donde ardieron
El universo Hamlet y
la furia
Tempestuosa del moro;
la manceba
India que a orillas
del ameno río
Que del viejo Chichén
los muros baña
A la sombra de un
plátano pomposo
Y sus propios
cabellos, el esbelto
Cuerpo bruñido y
nítido enjugaba.
Dadme mi cielo
azul..., dadme la pura,
La inefable, la
plácida, la eterna
Alma de mármol que al
soberbio Louvre
Dio, cual su espuma y
flor, Milo famosa.
(De: “Versos Libres”, 1913)
Perseu
(Benvenuto Cellini:
escultor italiano)
Sede de Beleza
Só, estou só: vem o
verso amigo,
Como o esposo
diligente acode
Da eriçada rola ao
reclamo.
Qual dos altos montes
em degelo
Por selvas e por
vales em copiosos
Fios as neves
desatadas baixam –
Assim por minhas
entranhas oprimidas
Um balsâmico amor e
uma avidez
Celeste, de formosura
se derramam.
Tal desde o vasto
azul, sobre a terra,
Qual se de alma
virgem a sombria
Humanidade sangrenta
perfumassem,
Sua luz benigna as
estrelas vertem
Esposas do silêncio!
– e das flores
Tal o aroma vago se
levanta.
Dá-me o sumo e o
perfeito! Dá-me
Um desenho de Ângelo;
uma espada
Com punho de Cellini,
mais formosa
Que os tetos de
marfim ornado com
Que se apraz em
lavrar a Natureza.
O crânio augusto
dá-me no qual arderam
O universo de Hamlet
e a fúria
Tempestuosa do moro;
a manceba
Índia que às margens
do ameno rio
Que do velho Chichén
os muros banha
À sombra de um
plátano pomposo
E seus próprios
cabelos, o esbelto
Corpo lustroso e
limpo enxugava.
Dá-me meu céu
azul..., dá-me a pura,
A inefável, a
plácida, a eterna
Alma de mármore que
ao soberbo Louvre
Deu, qual sua espuma
e flor, Milo famosa.
(De: “Versos Livres”, 1913)
Vênus de Milo
(Escultura grega de
autoria desconhecida)
Sede de Beleza
Só, estou só: vem o
verso amigo,
Como o esposo
diligente ele acode
Ao reclamo da eriçada
rola.
Tal como as neves
desatadas que,
Em degelo, baixam em
copiosos fios
Dos altos montes por
selvas e vales –
Assim, também, por
minhas oprimidas
Entranhas, um amor
balsâmico e uma
Avidez celeste se
derramam de formosura.
As estrelas – esposas
do silêncio! –
Por igual, desde o
vasto azul, vertem
Sobre a terra a sua
luz benigna, como
Se perfumassem de uma
alma virgem
A sombria e sangrenta
humanidade,
E tal vago aroma das
flores se levanta.
Dá-me o sublime e o
perfeito! Dá-me
Um desenho de Ângelo;
uma espada
Com punho de Cellini,
mais formosa
Que os tetos de
marfim ornado com
Que a Natureza se apraz em
lavrar.
Dá-me o crânio
augusto no qual arderam
O universo de Hamlet
e a fúria
Tempestuosa do moro;
a índia
Cortesã que às
margens do ameno rio
Que banha os muros do
velho Chichén
Enxugava o esbelto
corpo lustroso e limpo
Assim como os seus
próprios cabelos
À sombra de um
plátano pomposo.
Dá-me meu céu
azul..., dá-me a pura,
A inefável, a
plácida, a eterna alma
De mármore que a
famosa Milo deu
Ao soberbo Louvre,
como sua nata e flor.
(De: “Versos Livres”, 1913)
Eluciário:
Balsâmico: aromático, como o bálsamo;
Ângelo: Fra Angelico, pintor italiano
(1400-1455);
Cellini (Benvenuto): ourives e escultor
italiano (1500-1571);
Hamlet: protagonista de um dos
principais dramas de Shakespeare;
Moro: alusão a Otelo, personagem da
peça homônima de Shakespeare;
Chichén: antiga cidade maia localizada
na Península de Yucatán;
Louvre: referência ao renomado museu
francês;
Milo: a Vênus de Milo, famosa escultura
grega.
Referência:
MARTÍ, José. Sed de belleza. In:
__________. Obras completas. V. II:
VI. Versos - Versos Libres. La Habana (CU): Editorial Lex, 1953. p.
1.380-1.381.
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