Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Jean Racine - Phedra (Ato I / Cena III - Excerto)

Na parte final da cena III, de Phedra, peça do francês Jean Racine, a personagem homônima declara, ou melhor, confessa à sua ama, Œnone, os românticos sentimentos que cultiva por Hippolyto, seu enteado, muito distintamente do ódio que então se presumia.

Diversas são as figuras de linguagem empregadas, sobretudo na longa fala monologal de Phedra – um teste de memória para qualquer grande atriz!: de metonímias a hipérboles, de anáforas a metáforas. Tudo muito bem encapsulado num dilema moral, pois, como se nota, trata-se de um amor incestuoso. Um tabu, portanto!

J.A.R. – H.C.

Jean Racine
(1639-1699)

PHÈDRE
(Extrait)

(...)

Phèdre
Ariane, ma soeur! de quel amour blessée
Vous mourûtes aux bords où vous fûtes laissée!

Œnone
Madame, au nom des pleurs que pour vous j’ai versés,
Par vos faibles genoux que je tiens embrassés,
Délivrez mon esprit de ce funeste doute.

Phèdre
Tu le veux? lève-toi.

Œnone
Parlez: je vous écoute.

Phèdre
Ciel! que lui vais-je dire? et par où commencer?

Œnone
Par de vaines frayeurs cessez de m’offenser.

Phèdre
Ô haine de Vénus! Ô fatale colère!
Dans quels égarements l’amour jeta ma mère!

Œnone
Oublions-les, madame; et qu’à tout l’avenir
Un silence éternel cache ce souvenir.

Phèdre
Ariane, ma sœur! de quel amour blessée
Vous mourûtes aux bords où vous fûtes laissée!

Œnone
Que faites-vous, madame? et quel mortel ennui
Contre tout votre sang vous anime aujourd’hui?

Phèdre
Puisque Vénus le veut, de ce sang déplorable
Je péris la dernière et la plus misérable.

Œnone
Aimez-vous?

Phèdre
De l’amour j’ai toutes les fureurs.

Œnone
Pour qui?

Phèdre
Tu vas ouïr le comble des horreurs…
J’aime… À ce nom fatal, je tremble, je frissonne.
J’aime…

Œnone
Qui?

Phèdre
Tu connais ce fils de l’Amazone,
Ce prince si longtemps par moi-même opprimé…

Œnone
Hippolyte? Grands dieux!

Phèdre
C’est toi qui l’as nommé!

Œnone
Juste ciel! tout mon sang dans mes veines se glace!
Ô désespoir! ô crime! ô déplorable race!
Voyage infortuné! Rivage malheureux,
Fallait-il approcher de tes bords dangereux!

Phèdre
Mon mal vient de plus loin. À peine au fils d’Égée
Sous les lois de l’hymen je m’étais engagée,
Mon repos, mon bonheur semblait être affermi;
Athènes me montra mon superbe ennemi:
Je le vis, je rougis, je pâlis à sa vue;
Un trouble s’éleva dans mon âme éperdue;
Mes yeux ne voyaient plus, je ne pouvais parler;
Je sentis tout mon corps et transir et brûler:
Je reconnus Vénus et ses feux redoutables,
D’un sang qu’elle poursuit tourments inévitables!
Par des vœux assidus je crus les détourner:
Je lui bâtis un temple, et pris soin de l’orner;
De victimes moi-même à toute heure entourée,
Je cherchais dans leurs flancs ma raison égarée:
D’un incurable amour remèdes impuissants!
En vain sur les autels ma main brûlait l’encens!
Quand ma bouche implorait le nom de la déesse,
J’adorais Hippolyte; et, le voyant sans cesse,
Même au pied des autels que je faisais fumer,
J’offrais tout à ce dieu que je n’osais nommer.
Je l’évitais partout. Ô comble de misère!
Mes yeux le retrouvaient dans les traits de son père.
Contre moi-même enfin j’osai me révolter:
J’excitai mon courage à le persécuter.
Pour bannir l’ennemi dont j’étais idolâtre,
J’affectai les chagrins d’une injuste marâtre;
Je pressai son exil; et mes cris éternels
L’arrachèrent du sein et des bras paternels.
Je respirais, Œnone; et, depuis son absence,
Mes jours moins agités coulaient dans l’innocence:
Soumise à mon époux, et cachant mes ennuis,
De son fatal hymen je cultivais les fruits.
Vaines précautions! Cruelle destinée!
Par mon époux lui-même à Trézène amenée,
J’ai revu l’ennemi que j’avais éloigné:
Ma blessure trop vive aussitôt a saigné.
Ce n’est plus une ardeur dans mes veines cachée:
C’est Vénus tout entière à sa proie attachée.
J’ai conçu pour mon crime une juste terreur;
J’ai pris la vie en haine, et ma flamme en horreur;
Je voulais en mourant prendre soin de ma gloire,
Et dérober au jour une flamme si noire:
Je n’ai pu soutenir tes larmes, tes combats:
Je t’ai tout avoué; je ne m’en repens pas.
Pourvu que, de ma mort respectant les approches,
Tu ne m’affliges plus par d’injustes reproches,
Et que tes vains secours cessent de rappeler
Un reste de chaleur tout prêt à s’exhaler.

Phedra e Hippolyto
Gravura de Auguste Boucher Desnoyer
sobre pintura de Pierre-Narcisse Guérin
(artistas franceses)

PHEDRA
(Excerto)

(...)

Phedra
Ariadne, minha irmã! de que amor lacerada,
Morrestes sobre a borda onde fostes deixada!

Œnone
Senhora, que fazeis? qual é a mortal desdita,
Que contra o vosso sangue hoje assim vos incita?

Phedra
Já que Vênus o quer, de um sangue deplorável
Pereço a última, eu, como a mais miserável!

Œnone
Amais, então?

Phedra
Do amor tenho os fatais furores.

Œnone
Por quem?

Phedra
Logo hás de ouvir-me o cume dos horrores...
Amo... A esse nome tremo, o senso me abandona.
Amo...

Œnone
Quem?

Phedra
Ouve, pois! o filho da Amazona,
O príncipe banido, exilado por mim,..

Œnone
Hippolyto? altos céus!

Phedra
Nomeaste-o, é ele, sim!

Œnone
Deuses do céu! que golpe o seio me traspassa!
Oh desespero! oh crime! oh deplorável raça!
Viagem inditosa! ourela infortunada!
Porque viemos parar-te à borda malfadada!

Phedra
Meu mal de longe vem. Sob as leis do himeneu
Apenas eu me unira ao filho real de Egeu,
Minha felicidade e paz via ao abrigo;
Athenas me mostrou meu soberbo inimigo;
Vi-o, empalideci fiquei enrubescida;
Elevou-se um tumulto em minha alma perdida;
Fiquei sem ar, sem voz, não conseguia ver;
Senti se me transir o corpo todo e arder:
De Vênus percebi o fogo inexorável,
De um sangue que persegue angústia inevitável!
Com devoção assídua empenhei-me em contê-lo:
Edifiquei-lhe um templo e orná-lo foi meu zelo.
De vítimas rodeada, eu própria a todo instante
Buscava em flancos seus meu juízo vacilante:
De um incurável mal, fútil remédio, entanto!
É em vão que lhe queimava o incenso no altar santo!
Quando da deusa o nome imortal invocava,
Aos pés do altar fumante Hippolyto adorava,
E vendo-o sem cessar presente à minha face,
Tudo doava a esse deus, sem que nomeá-lo ousasse.
Fugi dele, evitava-o. Ah! que miséria infinda!
Nas feições de seu pai eu o encontrava ainda!
Insurgi-me, afinal, contra ele e contra mim:
E a persegui-lo, armei meus ânimos enfim.
Pra banir o inimigo idolatrado, a custo
De uma cruel madrasta afetei o ódio injusto.
Implorei seu exílio e meus brados eternos
Souberam arrancá-lo aos desvelos paternos.
Œnone, eu respirava, e, desde a sua ausência,
Decorria-me a vida em mais calma e inocência.
Submissa, ao meu esposo as mágoas ocultava,
E de um triste himeneu os frutos cultivava.
Vãs precauções! destino infausto! amarga pena!
Por meu próprio esposo aduzida a Trezena,
De Hippolyto revi o olhar e a fronte altiva:
Tornou logo a sangrar minha ferida viva.
Já não é incandescência oculta em mim acesa:
E Vênus, agarrada inteira à sua presa.
Concebi por meu crime o mais justo terror,
Criei fundo ódio à vida e ao meu desvaire horror;
Morrendo, ao menos quis resguardar minha fama,
E subtrair ao dia uma tão negra chama:
Não te aturei o pranto, e os teus transportes vendo,
Tudo te confessei. Aliás, não me arrependo
Se, honrando em mim da morte os próximos sinais,
Com tuas repreensões não me afligires mais,
E teu empenho vão deixar de insuflar vida
A uma luz expirante em breve consumida.

Personagens Presentes no Excerto:

Ariadne – irmã de Phedra;
Phedra – esposa de Theseu, filha de Minos e de Pasiphaé;
Hippolyto – filho de Theseu e de Antíope, rainha das Amazonas;
Œnone – ama e confidente de Phedra.

Referências:

Em Francês

RACINE, Jean. Phèdre (I. - Sc. III). In: SEGHERS, Pierre (Réuni, présenté et commenté). Le livre d’or de la poésie française: des origines a 1940. Verviers, BE: Marabout Université, 1972. p. 148-150.

Em Protuguês

RACINE, Jean. Phedra (Ato I - Cena III - Excerto). In: __________. Três tragédias: Phedra, Esther, Athália. Tradução de Jenny Klabin Segall. Prefácio de Roger Bastide. Rio de Janeiro, RJ: Edições de Ouro / Tecnoprint, 1965. p. 20-21.

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