O loquaz narrador de “Notas do Subsolo” é um homem infeliz que se sente
objeto de ofensas imaginárias, continuamente a idealizar e planejar vinganças,
com o que resulta ainda mais fundido à sua tragédia.
Todo o plano da obra serve-se desse pretexto para explanar pensamentos
acerca da lei natural, do racionalismo e do livre arbítrio, pensamentos esses
que se encontram no cerne mesmo das preocupações de Dostoiévski.
J.A.R. – H.C.
Fiódor Dostoiévski
(1821-1881)
Notas do Subsolo
(Excertos)
“A razão é uma coisa
boa, sem dúvida, mas a razão é apenas razão e satisfaz apenas a capacidade
racional do homem; já a vontade, esta é a manifestação da vida como um todo, ou
melhor, de toda a vida humana, aí incluindo-se a razão e todas as formas de se
coçar. E, mesmo que a nossa vida pareça às vezes bem ruinzinha do ponto de
vista acima, ela é vida, apesar de tudo, e não apenas a extração de uma raiz
quadrada” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 38).
“Que sabe a razão?
Ela sabe apenas aquilo que conseguiu conhecer (outras coisas, provavelmente,
nunca saberá; isso pode não consolar, mas por que não dizê-lo?); já a natureza
humana, esta age como um todo, com tudo o que possui, seja consciente, seja
inconsciente – e, mesmo mentindo, está vivendo” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 39).
“Alguns afirmam que
isso é de fato o que é mais caro ao ser humano; a vontade pode, se assim o
desejar, coincidir com a razão, especialmente se não abusar desta e usá-la com
parcimônia; é uma coisa útil e às vezes elogiável. Mas a vontade, muito
frequentemente, e até mesmo na maior parte das vezes, discorda completa e
teimosamente da razão” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 39-40).
“As veneráveis
formigas começaram com um formigueiro e terminarão também, provavelmente, com
um formigueiro, o que muito honra sua constância e sua natureza positiva. Mas o
homem é um ser inconstante e pouco honesto e, talvez, à semelhança do jogador
de xadrez, goste apenas do processo de procurar atingir um objetivo, e não do
objetivo em si. E quem sabe? Não se pode garantir, mas talvez todo o objetivo a
que o homem se dirige na Terra se resuma a esse processo constante de buscar
conquistar ou, em outras palavras, à própria vida, e não ao objetivo
exatamente, o qual, evidentemente, não deve passar de dois e dois são quatro,
ou seja, uma fórmula, e dois e dois são quatro já não é vida, senhores, mas o
começo da morte” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 44).
“Todo homem honesto
neste nosso tempo é e deve ser um covarde e um escravo. Essa é a sua condição
normal. Estou profundamente convencido disso. Ele foi feito assim e para isso
foi construído. E não é só no tempo presente, por causa de algumas
circunstâncias eventuais, mas, em geral, em todos os tempos o homem honesto
deve ser covarde e escravo. É uma leitura natural para todos os homens honestos
na Terra. E se acontece de algum deles se mostrar valente perante alguma coisa,
isso não deve ser motivo de consolo ou de entusiasmo: fatalmente ele irá se
acovardar diante de outras circunstâncias. Essa é a única e eterna conclusão”
(DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 55-56).
“Em geral nós,
russos, nunca tivemos autores românticos bobos, daqueles que pairam acima das
estrelas, como os alemães e, particularmente, os franceses, a quem nada pode
atingir, mesmo que a terra trema sob seus pés, mesmo que toda a França esteja
morrendo nas barricadas – eles continuam os mesmos, não mudam nem por decoro e
vão seguir cantando seus cantos siderais até, por assim dizer, o fim da vida,
porque são tolos. Já aqui, na terra russa, não há tolos; é um fato conhecido;
essa é a nossa diferença em relação às outras terras estrangeiras.
Consequentemente, não surgem aqui naturezas etéreas em sua forma pura”
(DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 57).
Avaliação da obra pelo bloguinho
(0-10): 8,5.
Capa da Edição L&PM
de “Notas do Subsolo”
Referência:
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Notas do subsolo. Tradução de Maria
Aparecida Botelho Pereira Soares. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. (L&PM
Pocket; v. 670)
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