Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Fiódor Dostoiévski - Notas do Subsolo

O loquaz narrador de “Notas do Subsolo” é um homem infeliz que se sente objeto de ofensas imaginárias, continuamente a idealizar e planejar vinganças, com o que resulta ainda mais fundido à sua tragédia.

Todo o plano da obra serve-se desse pretexto para explanar pensamentos acerca da lei natural, do racionalismo e do livre arbítrio, pensamentos esses que se encontram no cerne mesmo das preocupações de Dostoiévski.

J.A.R. – H.C.

Fiódor Dostoiévski
(1821-1881)

Notas do Subsolo
(Excertos)

“A razão é uma coisa boa, sem dúvida, mas a razão é apenas razão e satisfaz apenas a capacidade racional do homem; já a vontade, esta é a manifestação da vida como um todo, ou melhor, de toda a vida humana, aí incluindo-se a razão e todas as formas de se coçar. E, mesmo que a nossa vida pareça às vezes bem ruinzinha do ponto de vista acima, ela é vida, apesar de tudo, e não apenas a extração de uma raiz quadrada” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 38).

“Que sabe a razão? Ela sabe apenas aquilo que conseguiu conhecer (outras coisas, provavelmente, nunca saberá; isso pode não consolar, mas por que não dizê-lo?); já a natureza humana, esta age como um todo, com tudo o que possui, seja consciente, seja inconsciente – e, mesmo mentindo, está vivendo” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 39).

Alguns afirmam que isso é de fato o que é mais caro ao ser humano; a vontade pode, se assim o desejar, coincidir com a razão, especialmente se não abusar desta e usá-la com parcimônia; é uma coisa útil e às vezes elogiável. Mas a vontade, muito frequentemente, e até mesmo na maior parte das vezes, discorda completa e teimosamente da razão” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 39-40).

“As veneráveis formigas começaram com um formigueiro e terminarão também, provavelmente, com um formigueiro, o que muito honra sua constância e sua natureza positiva. Mas o homem é um ser inconstante e pouco honesto e, talvez, à semelhança do jogador de xadrez, goste apenas do processo de procurar atingir um objetivo, e não do objetivo em si. E quem sabe? Não se pode garantir, mas talvez todo o objetivo a que o homem se dirige na Terra se resuma a esse processo constante de buscar conquistar ou, em outras palavras, à própria vida, e não ao objetivo exatamente, o qual, evidentemente, não deve passar de dois e dois são quatro, ou seja, uma fórmula, e dois e dois são quatro já não é vida, senhores, mas o começo da morte” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 44).

“Todo homem honesto neste nosso tempo é e deve ser um covarde e um escravo. Essa é a sua condição normal. Estou profundamente convencido disso. Ele foi feito assim e para isso foi construído. E não é só no tempo presente, por causa de algumas circunstâncias eventuais, mas, em geral, em todos os tempos o homem honesto deve ser covarde e escravo. É uma leitura natural para todos os homens honestos na Terra. E se acontece de algum deles se mostrar valente perante alguma coisa, isso não deve ser motivo de consolo ou de entusiasmo: fatalmente ele irá se acovardar diante de outras circunstâncias. Essa é a única e eterna conclusão” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 55-56).

“Em geral nós, russos, nunca tivemos autores românticos bobos, daqueles que pairam acima das estrelas, como os alemães e, particularmente, os franceses, a quem nada pode atingir, mesmo que a terra trema sob seus pés, mesmo que toda a França esteja morrendo nas barricadas – eles continuam os mesmos, não mudam nem por decoro e vão seguir cantando seus cantos siderais até, por assim dizer, o fim da vida, porque são tolos. Já aqui, na terra russa, não há tolos; é um fato conhecido; essa é a nossa diferença em relação às outras terras estrangeiras. Consequentemente, não surgem aqui naturezas etéreas em sua forma pura” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 57).

Avaliação da obra pelo bloguinho (0-10): 8,5.

Capa da Edição L&PM
de “Notas do Subsolo”

Referência:

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Notas do subsolo. Tradução de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. (L&PM Pocket; v. 670)

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