Sendo um potiguar, Diógenes da Cunha Linha tem todo o cabedal para fazer
uma releitura da história de Jesus a partir de uma perspectiva nordestina,
terra que sofre as agruras da seca, deixando muitos de seus filhos em situação
de carência absoluta.
Vê-se no poema a reescrita de passagens caras ao Cristianismo, com
interessantes paralelos entre os elementos de contingência local e aqueles
mencionados na Bíblia, v.g., o referente aos três magos que visitaram o
recém-nascido e as três raças que dominaram o povoamento da região: o negro, o
índio e o branco português.
J.A.R. – H.C.
Diógenes da Cunha Lima
(n. 1937)
Jesus, um nordestino
Eu penso que Jesus
Devia de nascer em
Belém
Na Paraíba, perto de
Guarabira
E vizinho a
Pirpirituba.
E se não bastasse a
vizinhança
A indicar rima e
caminho, Nova
Cruz.
Era filho caçula de
Dona Maria
Uma mulher dona da
beleza
E que germinava
bondade nas
pessoas.
Era um menino moreno
muito
esperto,
Embalado em rede de
algodão
cru.
Tinha sandália com
currulepo
entre os dedos
e cajus, em dezembro,
a lhe
matar a sede.
O seu pastor fora um
vaqueiro
nordestino
De gibão e perneira e
guarda-peito
Pra livrar as suas
carnes da
jurema.
E vieram adorar o
Deus-menino
Os Santos Reis,
entrelaçados de
bom jeito
Um negro, um índio e
um
branco português.
Seria fácil encontrar
espinhos
para a fronte
Divina coroar, e um
caminhão
Que ia por São José
do Egito
Pra levar Jesus, o
retirante,
Até São Paulo,
Um santo feito para
as grandes
secas.
Meu Deus, meu Deus,
por que
Nos abandonaste,
exclamaria
Enquanto repartia com
o povo
nu as suas vestes
Multiplicadas como
pães ou
peixes.
Criança, era
carpinteiro como seu
pai
Fazendo caixões azuis
para os anjos do lugar.
Brincaria de
castanha, um
castelo,
Como convém a sua
alta
nobreza.
Academia, pulava num
pé só
E proezas faria num
cavalo de
pau.
O seu jumento era
mais magro
certamente.
E nem serviria pra
carne de
jabá
Era um menino
desnutrido
como os outros
Da região a fazer o
bem,
mudar.
Aqui as coisas só vão
na base
do milagre
Ou da força parida da
vontade.
Eu penso que Jesus
Devia de nascer em
Belém
Na Paraíba.
De: “Natal, Poemas e Canções”
Pastor Nordestino
(Alexander Pacheco:
pintor carioca)
Referência:
LIMA, Diógenes da Cunha. Jesus, um
nordestino. In: ALVES, Henrique L. (Org.). Poetas
contemporâneos. São Paulo, SP: Roswitha Kempf Editores, 1985. p. 43-45.
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