Trazendo linhas metafóricas explícitas, em que árvores plantadas são
como filhos aqui deixados, atingidos os limites mais que finitos de nossas
vidas, este poema do paulista Péricles E. S. Ramos amplia a ideia do que seja a
figura da Madona em épocas natalinas.
Assim, não só a mãe de Jesus ela representa, senão também a própria
figura de esposa do poeta e mãe das árvores que, com ele, plantou durante a vida
em comum. Por isso, pede a Deus o autor que as proteja quando ambos aqui já não
estiverem, e verdes ainda os rebentos.
J.A.R. – H.C.
Péricles E. S. Ramos
(1919-1992)
Natal entre Árvores
Naquela tarde sem
nuvens,
quis a Madona das
Andorinhas
– com seus gestos de
ar e vidro
e já um aroma de
futuras violetas
em torno aos cabelos
–
quis a Madona das
Andorinhas
que plantássemos uma
árvore
no chão de nossa
casa:
e quando a semente
caiu ao solo
os cabelos da Madona
faiscaram e
cobriram-se de pétalas.
Hoje em nossa casa há
três árvores;
três árvores ou sete
mágoas?
sete mágoas ou
quinhentas alegrias?
Crescem as árvores,
e com as árvores se
esvai o nosso tempo,
e as árvores também
são fuga
– e conversam com o
ar, e contemplam as nuvens,
e procuram os ventos
– e já não são coisa
nossa,
como no dia em que
foram projeto,
inquietação, desejo
de plantar.
Ao meu lado, porém,
continua a Madona, a
Madona das Violetas,
a mão de que brotaram
árvores,
o olhar que é um voo
de andorinhas:
Madona, Madona,
há tempestades no
horizonte:
como proteger as
nossas árvores?
Que Deus ampare,
Madona,
as árvores que, sendo
efêmeros,
plantamos;
e que Deus nos cubra
com Seu manto
– pois realmente
somos um –
quando já não
pudermos proteger, Madona,
entre violetas e
andorinhas,
nossas árvores tão
verdes.
Em: “Lua de Ontem” (1960)
Referência:
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Natal
entre árvores. In: __________. Poesia
quase completa. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora, 1972. p.
119-120.
Que belo poema!
ResponderExcluirQue bela escolha!
Deu vontade de abraçar o Péricles Eugênio da Silva Ramos e até de carregá-lo no colo como se fosse o próprio "Menino Jesus"! .
Esse poema de versos longos, tem metáforas inusitadas, sim, que nos abraçam e nos cobrem com seu manto, e cuida de nosso coração sensível. Essa proteção é a que o poeta pediu para as árvores.
Quanta sensibilidade, meu Deus!
Que belo poema!
Que bela escolha!