Quatro poemas numa única postagem, cada qual com um título-ícone entre os muitos do Natal: musgo, sinos, manjedoira, noite branca. Reminiscências de
Natais idos e vividos pelo poeta.
Em meio a essas lembranças, notam-se outros tantos símbolos caros às
festas de fim de ano, como coros e filhós, de forma a caracterizar que o sarau
se passa numa casa portuguesa, com certeza!
J.A.R. – H.C.
António Salvado
(n. 1936)
Poema de Natal (I - Musgo)
(SALVADO, 1999, p.
258-259)
Era verde como os momentos quando
se abandonava a
escola o professor o livro
e rua acima ou rua
abaixo ardia
nos trotes de meus
passos (que distantes!)
em direcção à luz:
anunciada,
reflectida no sonho
há tanto tempo
e que em espera
voltava regressava
a cintilar
pausadamente lenta.
Porque o dia – de cedo –
se vestia
ainda e tinha muito a
caminhar:
as figuras
os rios serras iam
( também a neve ) alando os seus lugares.
Era macio o musgo do
presépio
colocado – em amor – por entre pedras.
Poema de Natal (II - Sinos)
(SALVADO, 1999, p.
259)
Em voz d’azeite os
sinos badalavam
repercutindo no calor
do cobre
apelos de fervor felicidade
e risos d’harmonia: fervorosas
preces caladas
aguardando a hora.
Os astros derramavam
o orvalho
da sua solidão por
entre os coros
das vozes que
entoavam pelos olhos
harpejos d’alegria d’ostinatos
em cheiro de filhó
com mais acordes.
Tão fria a noite na
paixão das brasas:
os sinos a tocarem
luminosos,
’strelas cadentes que
se aproximavam,
o céu a dirigir-se a
cada porta.
Poema de Natal (III - Manjedoira)
(SALVADO, 1999, p.
259-260)
De longe que a manhã
fora prescrita:
as armas recolheram
aos museus
os campos revestiram-se de trigo
o azul recente coloriu o céu
d’além da boca e d’outros céus ainda,
aves voltaram feitas peregrinas,
na terra acasalaram
mais os bichos,
no mar os peixes destruíram breus.
Noite do caramelo ameno dia
chegado ao lume do
braseiro ardido:
véu rompido onde a
paz vai reviver;
de boa e sã vontade
se cobriu
o mundo: os homens todos já se uniram!,
e nem um Deus precisa
de nascer.
Poema de Natal (IV - Noite Branca)
(SALVADO, 1999, p.
260)
Melodia macia perfumada
a desta noite: bafo
de surpresas,
odor dos troncos a
resplandecerem
sabor do Encoberto
regressado.
Os astros correm pela
Terra acesa
ciciando palavras
entre orvalho –
a directriz que denuncia
os passos
por onde caminharmos
sem receio.
Mistério d’encantado
nascimento,
ela nos cobre com seu
manto estranho
bordado a graça a lar a comunhão;
e nunca a voz do fogo
foi mais viva:
a labareda cresce ao
infinito
gestos d’amor
surdindo em nossas mãos.
Referência:
SALVADO, António. Obra III. A Plana Luz
do Dia. Coimbra, PT: A Mar Arte, 1999.
http://www.crearensalamanca.com/carne-del-cielo-original-antologia-donde-47-poetas-iberoamericanos-vivos-celebran-la-navidad/
ResponderExcluirGrande abraço. Festas Felizes.
Prezado,
ResponderExcluirAgradeço bastante pelo 'link': baixei o livro e o guardei, para apreciá-lo com mais vagar. Um grande abraço e, igualmente, boas festas para você e familiares.
João A. Rodrigues