Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

José Paulo Paes - Como armar um presépio

Sempre com aquele ar crítico e renovador, o poeta e tradutor paulista nos incita a olhar para a ação danosa do homem sobre o meio ambiente, como corolário de um modo de produção tendente a exaurir os recursos oferecidos pela Terra.

Seu poema resgata a visão de iteração nos processos de recuperação da natureza sob a égide do tempo, esse mestre na arte de devolver a conduta humana a rumos mais harmônicos, nem que para isso se tenha que esperar e esperar...

J.A.R. – H.C.

José Paulo Paes
(1926-1998)

Como armar um presépio

pegar uma paisagem qualquer

cortar todas as árvores e transformá-las em papel de
imprensa

enviar para o matadouro mais próximo todos os
animais

retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa
eventualmente conter e fabricar carros tanques aviões
mísseis nucleares cujos morticínios hão de ser noticiados
com destaque

despejar os detritos industriais nos rios e lagos
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços
de vegetação

evacuar a população sobrevivente para as fábricas e
cortiços da cidade

depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de
chapas enferrujadas e esperar

esperar que algum boi doente algum burro fugido
algum carneiro sem dono venha nele esconder-se

esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho
pastor que ainda acredite no milagre

esperar esperar

quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida
recomeça?

Em: PAES, José Paulo. Um por todos. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 41-42.

Nascimento com pastores e animais
(David Jones: artista inglês)

Referência:

PAES, José Paulo. Como armar um presépio. In: GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; BELLODI SILVA, Zina (Orgs.). Antologia escolar da literatura brasileira: poesia e prosa. Prefácio de Antonio Carlos Secchin. 1. ed. São Paulo, SP: Musa, 1998. p. 342-343.

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