Sempre com aquele ar crítico e renovador, o poeta e tradutor paulista
nos incita a olhar para a ação danosa do homem sobre o meio ambiente, como
corolário de um modo de produção tendente a exaurir os recursos oferecidos pela
Terra.
Seu poema resgata a visão de iteração nos processos de recuperação da
natureza sob a égide do tempo, esse mestre na arte de devolver a conduta humana
a rumos mais harmônicos, nem que para isso se tenha que esperar e esperar...
J.A.R. – H.C.
José Paulo Paes
(1926-1998)
Como armar um presépio
pegar uma paisagem
qualquer
cortar todas as
árvores e transformá-las em papel de
imprensa
enviar para o
matadouro mais próximo todos os
animais
retirar da terra o
petróleo ferro urânio que possa
eventualmente conter
e fabricar carros tanques aviões
mísseis nucleares cujos
morticínios hão de ser noticiados
com destaque
despejar os detritos
industriais nos rios e lagos
exterminar com
herbicida ou napalm os últimos traços
de vegetação
evacuar a população
sobrevivente para as fábricas e
cortiços da cidade
depois de reduzir
assim a paisagem à medida do homem
erguer um estábulo
com restos de madeira cobri-lo de
chapas enferrujadas e
esperar
esperar que algum boi
doente algum burro fugido
algum carneiro sem
dono venha nele esconder-se
esperar que venha
ajoelhar-se diante dele algum velho
pastor que ainda
acredite no milagre
esperar esperar
quem sabe um dia não
nasce ali uma criança e a vida
recomeça?
Em: PAES, José Paulo. Um por todos. São
Paulo: Brasiliense, 1986. p. 41-42.
Nascimento com pastores e animais
(David Jones: artista
inglês)
Referência:
PAES, José Paulo. Como armar um
presépio. In: GONÇALVES, Magaly Trindade; AQUINO, Zélia Thomaz de; BELLODI
SILVA, Zina (Orgs.). Antologia escolar
da literatura brasileira: poesia e prosa. Prefácio de Antonio Carlos
Secchin. 1. ed. São Paulo, SP: Musa, 1998. p. 342-343.
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