O Natal é um tempo, como já se disse, que deixa as pessoas muito sensíveis, tanto mais se marcado por eventos que costumam deixar memórias
indeléveis no espírito humano.
É o caso que se nos apresenta no poema a seguir: trata-se de uma elegia
dedicada pelo poeta carioca Mário Pederneiras à sua filha de apenas três anos, há
pouco falecida. Ou seja, um Natal marcado por um sentimento de perda...
J.A.R. – H.C.
Mário Pederneiras
(1867-1915)
Natal da Mágoa
Faz anos hoje a minha
Mágoa,
Que não se acalma e
que não finda...
E de olhos rasos d’água
Sinto-a aflitiva,
Detalhada e viva,
Como se fosse de
outro dia ainda.
Fugíramos daqui, da
vida intensa
E do ar parado que a
Cidade encerra,
Levando-a, crentes,
em convalescença,
Para as alturas
amplas de uma Serra.
Embora o lento
desengano o fira,
Um coração de pai não
desanima...
E a velha crença, que
não morre ou cama,
Para minh’Alma
sofredora abrira,
Lá em cima,
O derradeiro pouso da
Esperança.
Pelo pesado curso da
subida,
Que eu galgava,
A nova Terra
esperançado olhava,
Como quem olha a
Terra Prometida.
Lá em cima renascia
Com a nossa
Esperança, o riso dela.
Convalescia...
Acabara, por fim, o
horror das crises
E toda aquela
Odisseia de Dor que
vínhamos chorando.
Foi quando
Começamos de novo a
ser felizes.
A Dor fugiu do meu
viver tristonho
E o Sonho
Volveu mais uma vez,
alegre e alado,
A cantar no beiral do
meu telhado.
Parecia mesmo que o
Destino
Cedera,
Deixando-nos em paz,
cheios de enganos.
A nossa Graça tinha,
então, três anos
E era
Loira como um trigal
e alegre como um hino.
Todo aquele verão que
nós passamos
No convívio do Céu e
da Floresta,
Sob a amistosa
proteção dos Ramos,
Foi todo ele de
consolo e festa.
Quando subi, como me
foi ligeiro
O pesado caminho da
subida!...
O rubro Sol honesto
de Janeiro
Andava a alacrizar a
Terra e a Vida.
Por fim, como a
sentíssemos robusta
E renascida a antiga
alacridade,
Descemos a montanha
augusta,
Voltamos à Cidade.
Não sei por que, mas
pareceu-me eterno
O suave caminho da
descida.
O Inverno andava
entristecendo a Terra e a Vida.
Trouxemo-la julgando
Que se sentisse
inteiramente boa...
Foi, justamente,
quando
Veio a febre e
levou-a.
Atroz, feroz,
impávido, o Destino
Volvera
De novo, contra nós,
seus olhos desumanos...
A nossa Graça tinha,
então, três anos
E era
Loira como um trigal
e alegre como um hino.
No Portão da Eternidade
(Vincent Van Gogh:
pintor holandês)
Referência:
PEDERNEIRAS, Mário. Natal da mágoa. In:
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Introdução, seleção e notas). Poesia simbolista: antologia. São
Paulo, SP: Melhoramentos, 1965. p. 198-199.
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