Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Mário Pederneiras - Natal da Mágoa

O Natal é um tempo, como já se disse, que deixa as pessoas muito sensíveis, tanto mais se marcado por eventos que costumam deixar memórias indeléveis no espírito humano.

É o caso que se nos apresenta no poema a seguir: trata-se de uma elegia dedicada pelo poeta carioca Mário Pederneiras à sua filha de apenas três anos, há pouco falecida. Ou seja, um Natal marcado por um sentimento de perda...

J.A.R. – H.C.

Mário Pederneiras
(1867-1915)

Natal da Mágoa

Faz anos hoje a minha Mágoa,
Que não se acalma e que não finda...
E de olhos rasos d’água
Sinto-a aflitiva,
Detalhada e viva,
Como se fosse de outro dia ainda.

Fugíramos daqui, da vida intensa
E do ar parado que a Cidade encerra,
Levando-a, crentes, em convalescença,
Para as alturas amplas de uma Serra.

Embora o lento desengano o fira,
Um coração de pai não desanima...
E a velha crença, que não morre ou cama,
Para minh’Alma sofredora abrira,
Lá em cima,
O derradeiro pouso da Esperança.

Pelo pesado curso da subida,
Que eu galgava,
A nova Terra esperançado olhava,
Como quem olha a Terra Prometida.

Lá em cima renascia
Com a nossa Esperança, o riso dela.
Convalescia...
Acabara, por fim, o horror das crises
E toda aquela
Odisseia de Dor que vínhamos chorando.
Foi quando
Começamos de novo a ser felizes.

A Dor fugiu do meu viver tristonho
E o Sonho
Volveu mais uma vez, alegre e alado,
A cantar no beiral do meu telhado.

Parecia mesmo que o Destino
Cedera,
Deixando-nos em paz, cheios de enganos.

A nossa Graça tinha, então, três anos
E era
Loira como um trigal e alegre como um hino.

Todo aquele verão que nós passamos
No convívio do Céu e da Floresta,
Sob a amistosa proteção dos Ramos,
Foi todo ele de consolo e festa.

Quando subi, como me foi ligeiro
O pesado caminho da subida!...
O rubro Sol honesto de Janeiro
Andava a alacrizar a Terra e a Vida.

Por fim, como a sentíssemos robusta
E renascida a antiga alacridade,
Descemos a montanha augusta,
Voltamos à Cidade.

Não sei por que, mas pareceu-me eterno
O suave caminho da descida.
O Inverno andava entristecendo a Terra e a Vida.

Trouxemo-la julgando
Que se sentisse inteiramente boa...
Foi, justamente, quando
Veio a febre e levou-a.

Atroz, feroz, impávido, o Destino
Volvera
De novo, contra nós, seus olhos desumanos...

A nossa Graça tinha, então, três anos
E era
Loira como um trigal e alegre como um hino.

No Portão da Eternidade
(Vincent Van Gogh: pintor holandês)

Referência:

PEDERNEIRAS, Mário. Natal da mágoa. In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Introdução, seleção e notas). Poesia simbolista: antologia. São Paulo, SP: Melhoramentos, 1965. p. 198-199.

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