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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Augusto Frederico Schmidt - Poema de Natal

Um poema natalino de um poeta carioca para um poeta italiano: faz ele referência ao falecimento, na capital paulista, do filho de Ungaretti, Antonietto, aos 9 anos de idade, devendo-se informar, por conveniente, que Ungaretti viveu no Brasil entre 1937-1942, onde lecionou na Universidade de São Paulo.

O fato trágico, ocorrido em 1939 – quando Ungaretti contava 51 anos –, marcou-lhe profundamente a produção, perpassando muitos dos poemas de “Il Dolore” (1947) e “Un Grido e Paesaggi” (1952).

Não é de se estranhar, por conseguinte, a intimidade com que Frederico Schmidt trata do tema, ainda mais que manteve amizade profícua com Ungaretti, durante a permanência do italiano no país.

J.A.R. – H.C.

Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965)

Poema de Natal

A ideia de escrever um poema de Natal
Traz-me à lembrança o poeta Ungaretti,
Na sua casa em Roma,
Via Remuria, 3.

Vejo-o impassível, o rosto difícil
De florir um sorriso,
Com os seus olhos que parecem cansados
De contemplar o fundo do mar.

Ungaretti é um pássaro revoando,
Volteando, girando e, de súbito, molhando
As largas asas duras nas águas
Onde pousa e, às vezes, se move
A imagem de seu filho perdido.

Ungaretti tem – e é seu consolo –
A certeza de que o filho
Não tocou no mal,
Que não chegou a perceber
Que os seres são sempre órfãos
E caminham sozinhos.

Ungaretti possui um tesouro,
E este dia de Natal reabre-lhe
Não só a ferida, mas também a vontade de viver
Para que viva nele e com ele o seu fruto.

Penso com inveja em Ungaretti.
Invejo a tristeza do poeta.
Quem tem uma tristeza assim,
Não está de todo abandonado,
Não perdeu os últimos sinais
Que reconduzem à cidade da infância.

Neste dia de Natal, na sua casa em Roma,
Via Remuria, 3
O poeta Ungaretti está menos só do que eu.
Possui a sua própria dor a queimar-lhe o peito
     e a acompanhá-lo.
E enquanto sua lembrança esvoaça
Em torno do filho pequeno que partiu,
Poupa-lhe Deus miséria igual à minha:
Contemplar nesta hora festiva
A face morta da criança que eu fui.

Giuseppe Ungaretti
(1888-1970)

Referência:

SCHMIDT, Augusto Frederico. Poema de Natal. In: __________. Nova antologia poética. Organização e seleção de Rubem Braga. Rio de Janeiro, RJ: Editora do Autor, 1964. p. 158-160.


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