Um poema natalino de um poeta carioca para um poeta italiano: faz ele
referência ao falecimento, na capital paulista, do filho de Ungaretti,
Antonietto, aos 9 anos de idade, devendo-se informar, por conveniente, que
Ungaretti viveu no Brasil entre 1937-1942, onde lecionou na Universidade de São
Paulo.
O fato trágico, ocorrido em 1939 – quando Ungaretti contava 51 anos –,
marcou-lhe profundamente a produção, perpassando muitos dos poemas de “Il
Dolore” (1947) e “Un Grido e Paesaggi” (1952).
Não é de se estranhar, por conseguinte, a intimidade com que Frederico
Schmidt trata do tema, ainda mais que manteve amizade profícua com Ungaretti, durante
a permanência do italiano no país.
J.A.R. – H.C.
Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965)
Poema de Natal
A ideia de escrever
um poema de Natal
Traz-me à lembrança o
poeta Ungaretti,
Na sua casa em Roma,
Via Remuria, 3.
Vejo-o impassível, o
rosto difícil
De florir um sorriso,
Com os seus olhos que
parecem cansados
De contemplar o fundo
do mar.
Ungaretti é um
pássaro revoando,
Volteando, girando e,
de súbito, molhando
As largas asas duras
nas águas
Onde pousa e, às
vezes, se move
A imagem de seu filho
perdido.
Ungaretti tem – e é
seu consolo –
A certeza de que o
filho
Não tocou no mal,
Que não chegou a
perceber
Que os seres são
sempre órfãos
E caminham sozinhos.
Ungaretti possui um
tesouro,
E este dia de Natal
reabre-lhe
Não só a ferida, mas
também a vontade de viver
Para que viva nele e
com ele o seu fruto.
Penso com inveja em
Ungaretti.
Invejo a tristeza do
poeta.
Quem tem uma tristeza
assim,
Não está de todo
abandonado,
Não perdeu os últimos
sinais
Que reconduzem à
cidade da infância.
Neste dia de Natal,
na sua casa em Roma,
Via Remuria, 3
O poeta Ungaretti
está menos só do que eu.
Possui a sua própria
dor a queimar-lhe o peito
e a acompanhá-lo.
E enquanto sua
lembrança esvoaça
Em torno do filho
pequeno que partiu,
Poupa-lhe Deus
miséria igual à minha:
Contemplar nesta hora
festiva
A face morta da
criança que eu fui.
Giuseppe Ungaretti
(1888-1970)
Referência:
SCHMIDT, Augusto Frederico. Poema de
Natal. In: __________. Nova antologia
poética. Organização e seleção de Rubem Braga. Rio de Janeiro, RJ: Editora
do Autor, 1964. p. 158-160.
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