O poeta mineiro Geraldo Reis não evoca Natal algum
que seja pleno de rosas e de beleza, senão apenas de espinhos e de desventuras,
de abalos; tampouco coisas que lhe sejam próximas, como estrelas ou árias: nesse
mundo em desencanto, lamenta a perda da magia do Natal à medida que o tempo
passa e todos envelhecemos.
Lembra-se ele tão somente de hipotéticas caravelas
heroicas a singrar mares que não vão além da estrutura dos armários da casa, de
onde emerge a memória do grito suado dos garis, provavelmente vindo da rua:
tais imagens, decerto, tencionam firmar um contraste entre a inocência e as
ilusões da infância e a dura realidade diária da vida adulta.
Apesar das circunstâncias adversas – da ganância à
avareza –, a vida e mesmo a beleza perduram, pondo-nos a salvo das ondas de
desditas que teimam em obstruir as veredas humanas.
J.A.R. – H.C.
Geraldo Reis
(n. 1949)
Nenhum Natal
Nenhum Natal nas
roseiras
Só desejo de
espinhos,
Intenções de
naufrágio
Pendendo dos galhos.
E as rosas todas,
embora,
Comidas na antemanhã
Da cobiça e do ouro,
Eis que anoitece,
cantamos.
E não tem erva
daninha,
Estrela, olhos longe,
fado
Ama seca, pedra pome,
ária
Na expressão desse
abalo.
Para o menino
sonhando caravelas
No mistério de mares
embutidos
Só
e apenas
o grito suado dos garis
Brotando da memória
dos armários.
Dezembro
(Paul Cornoyer:
pintor norte-americano)
Referência:
REIS, Geraldo. Nenhum
Natal. In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação). Antologia da nova poesia brasileira.
Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio / Hipocampo, 1992. p. 118.
Que poema gostoso e triste! Os garis, ah! os garis... Eles me comovem...
ResponderExcluirEstou revisitando e relendo esse blog que me inspira, me comove e me dá como resposta de pessoas sensíveis como o leitor anônimo, aquela força de que necessito para escrever ou... continuar a escrever. A poesia é a minha maneira de comunicar com o presente (e com o futuro). Ele me trouxe amigos raros e especiais como J, A. Rodrigues, pessoa que me descobriu e gentilmente me deu espaço BLOG DO CASTORP. Descubro, com surpresa outros poema publicados e vou acessá-los. Obrigado, amigo! E obrigado leitor anônimo! Somos irmãos! Com a emoção desse instante deixo o meu muito obrigado. E digo, sinceramente, esse blog merece um prêmio.
ResponderExcluirGrato pelo comentário, Geraldo:
ExcluirDe fato, sou eu muito a agradecer a você e aos poetas brasileiros e do mundo inteiro, por trazerem ao quotidiano a beleza do que se passa na imaginação humana, na fugacidade de cada momento, fazendo da linguagem o sentido maior para se apreender as "conexões ocultas da realidade".
Um abraço,
João A. Rodrigues
Deixando, com a visita de hoje, um abraço poético e barroco, como convém. Deixo-lhe meu muito obrigado, sincero e comovido. Não havia lido no blog o poema que encerra o antigo DURANDO ENTRE VINDIMAS. Com seu comentário, o poema ficou mais saboroso. Sou-lhe grato. Mais uma vez. Gostaria de ver no SEU blog um poema, NAQUELE NATAL, que está espremido no poetageraldoreis.blogspot.com, mas não sei se tenho o direito de lhe pedir esse destaque. Se o poema não passar pelo seu "crivo de qualidade", não se acanhe. Estou pronto para receber "puxões de orelha". Creia na estima de GR, que sendo seu seguidor é, também, um confessado admirador e divulgador de seu blog. (BH 25/JAN/2023).
ResponderExcluirPrezado Geraldo,
ExcluirAgradeço-lhe as palavras sempre positivas. Quanto ao poema por você mencionado – "Naquele Natal" –, não logrei encontrá-lo em seu domínio, mesmo com a ajuda da pesquisa avançada do Google.
A rigor, fiquei com a impressão de que você desejasse aludir ao poema "Naquele Janeiro", o qual, neste momento, aparece como a postagem mais recente no precitado sítio. Há acerto em tal dedução?
Um abraço,
João A. Rodrigues
De fato é NAQUELE JANEIRO. Eu me enganei. O poema, tendo passado pelas mãos de quem sabe, aparece "bem vestido" e até com ilustração. Seu colorido especial e o magistral comentário encantam os olhos e o coração. Revisitando o blog para lhe dizer, mais uma vez, de minha gratidão, e do meu respeito pelo seu trabalho. E para deixar, também, mais uma vez, meu muito obrigado.
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