Um poema sobre o poder e o seu potencial para o bem e para mal, sua
capacidade de mudar a face da terra, e propensão a mostrar o que cada um de nós
é na realidade, quando o detém.
Logo o poder, que já foi objeto de tragédias memoráveis, como “Antígona”,
de Sófocles, ou “Hamlet”, de Shakespeare, esse obscuro objeto de desejo, surge
com toda a sua máxima força descritiva neste poema selecionado pelo crítico José
Nêumanne Pinto, como um dos melhores entre os brasileiros do século passado!
J.A.R. – H.C.
Ivan Junqueira
(1934-2014)
O Poder
Eis o poder: seus
palácios
hospedam reis e
vassalos,
messalinas, pajens
glabros,
eunucos, aias,
lacaios,
e até artistas e
ratos.
Uma só migalha basta
à sordícia que se
alastra,
e pronto surge uma
talha
onde o cenário é
lavado
para o próximo
espetáculo.
O poder é assim:
devasta,
corrompe, avilta,
enxovalha,
do reles pároco ao
papa,
e não há um só que
escape
ao seu melífluo
contágio.
Se alguém o nega ou o
afasta,
compram-no logo, à
socapa,
a peso de ouro ou de
prata.
E se acaso não o
fazem,
mais simples ainda:
matam-no.
Tem o poder muitas
faces:
a que se crispa,
indignada,
a que te olha de
soslaio,
a que purga e chega
às lágrimas,
a que se oculta,
enigmática.
Mas são apenas
disfarce,
formas várias que se
esgarçam,
por entre véus e
grinaldas,
porque assim vertem
mais fácil
o vitríolo em tua
taça.
E tu, rei de Tule,
aos lábios
leva sempre, ávido, o
cálice,
não por amor nem saudade
de quem se foi, entre
as vagas,
de um castelo à orla
do mar,
mas só porque,
embriagado,
são de engodo as tuas
asas
e de cobiça os teus
passos,
que vão aquém das
sandálias
e se arrastam rumo ao
nada.
O poder é aquele
pássaro
que te aguarda sob os
galhos.
Tudo ele dá,
perdulário,
De ti quer apenas a
alma,
Por inteiro. Ou a
retalho.
Lênin proclama o poder dos sovietes
(Valentin Serov:
pintor russo)
Referência:
JUNQUEIRA, Ivan. O poder. In: PINTO, José Nêumanne (Sel.). Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do
Século. Ilustrações de Tide Hellmeister. 2. ed. São Paulo, SP: Geração
Editorial, 2004. p. 235-237.
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