Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Arseni Tarkovski - Vida, Vida

O poema que aqui postamos pertence ao genitor do grande cineasta russo Andrei Tarkovski, nomeadamente, Arseni Tarkovski, e consta na obra “Esculpir o Tempo”, de autoria do primeiro, conforme registramos no campo de referência.

Como se nota, ao manipular as palavras, o pai obtém um efeito tão poético em sua criação quanto o filho, neste caso ao empregar as câmeras para obter imagens que sejam capazes de encantar os telespectadores.

Afinal, quem passou pela experiência de assistir a alguns dos filmes de Andrei – como “O Espelho” (1974), “Nostalgia” (1983) ou “O Sacrifício” (1985) –, poderá ratificar a impactante atmosfera de sonho que os perpassa. E haverá atmosfera mais poética que a do sonho?!

J.A.R. – H.C.

Arseni Tarkovski
(1907-1989)

Жизнь, жизнь

I

Предчувствиям не верю и примет
Я не боюсь. Ни клеветы, ни яда
Я не бегу. На свете смерти нет.
Бессмертны все. Бессмертно все. Не надо
Бояться смерти ни в семнадцать лет,
Ни в семьдесят. Есть только явь и свет,
Ни тьмы, ни смерти нет на этом свете.
Мы все уже на берегу морском,
И я из тех, кто выбирает сети,
Когда идет бессмертье косяком.

II

Живите в доме - и не рухнет дом.
Я вызову любое из столетий,
Войду в него и дом построю в нем.
Вот почему со мною ваши дети
И жены ваши за одним столом -
А стол один и прадеду и внуку:
Грядущее свершается сейчас,
И если я приподнимаю руку,
Все пять лучей останутся у вас.
Я каждый день минувшего, как крепью,
Ключицами своими подпирал,
Измерил время землемерной цепью
И сквозь него прошел, как сквозь Урал.

III

Я век себе по росту подбирал.
Мы шли на юг, держали пыль над степью;
Бурьян чадил; кузнечик баловал,
Подковы трогал усом, и пророчил,
И гибелью грозил мне, как монах.
Судьбу свою к седлу я приторочил;
Я и сейчас, в грядущих временах,
Как мальчик, привстаю на стременах.

Мне моего бессмертия довольно,
Чтоб кровь моя из века в век текла.
За верный угол ровного тепла
Я жизнью заплатил бы своевольно,
Когда б ее летучая игла
Меня, как нить, по свету не вела.

(1965)

Morte e Vida
(Gustav Klimt: pintor austríaco)

Vida, vida

I

Não acredito em pressentimentos, e augúrios
Não me amedrontam. Não fujo da calúnia
Nem do veneno. Não há morte na Terra.
Todos são imortais. Tudo é imortal. Não há por que
Ter medo da morte aos dezessete
Ou mesmo aos setenta. Realidade e luz
Existem, mas morte e trevas, não.
Estamos agora todos na praia,
E eu sou um dos que içam as redes
Quando um cardume de imortalidade nelas entra.

II

Vive na casa – e a casa continua de pé.
Vou aparecer em qualquer século.
Entrar e fazer uma casa para mim.
É por isso que teus filhos estão ao meu lado
E as tuas esposas, todos sentados em uma mesa,
Uma mesa para o avô e o neto.
O futuro é consumado aqui e agora,
E se eu erguer levemente minha mão diante de ti,
Ficarás com cinco feixes de luz.
Com omoplatas como esteios de madeira
Eu ergui todos os dias que fizeram o passado,
Com uma cadeia de agrimensor, eu medi o tempo
E viajei através dele como se viajasse pelos Urais.

III

Escolhi uma era que estivesse à minha altura.
Rumamos para o sul, fizemos a poeira rodopiar na estepe.
Ervaçais cresciam viçosos; um gafanhoto tocava,
Esfregando as pernas, profetizava.
E contou-me, como um monge, que eu pereceria.
Peguei meu destino e amarrei-o na minha sela;
E agora que cheguei ao futuro ficarei
Ereto sobre meus estribos como um garoto.

Só preciso da imortalidade
Para que meu sangue continue a fluir de era para era.
Eu prontamente trocaria a vida
Por um lugar seguro e quente
Se a agulha veloz da vida
Não me puxasse pelo mundo como uma linha.

Referência:

TARKOVSKI, Arseni. Жизнь, жизнь / Vida, vida. In: TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo. SP: Martins Fontes, 2010. Em russo: p. 301; em português: p. 169.

Nenhum comentário:

Postar um comentário