O poema que aqui postamos pertence ao genitor do grande cineasta russo
Andrei Tarkovski, nomeadamente, Arseni Tarkovski, e consta na obra “Esculpir o
Tempo”, de autoria do primeiro, conforme registramos no campo de referência.
Como se nota, ao manipular as palavras, o pai obtém um efeito tão
poético em sua criação quanto o filho, neste caso ao empregar as câmeras para obter
imagens que sejam capazes de encantar os telespectadores.
Afinal, quem passou pela experiência de assistir a alguns dos filmes de Andrei – como “O Espelho” (1974), “Nostalgia” (1983) ou “O Sacrifício” (1985) –,
poderá ratificar a impactante atmosfera de sonho que os perpassa. E haverá
atmosfera mais poética que a do sonho?!
J.A.R. – H.C.
Arseni Tarkovski
(1907-1989)
Жизнь, жизнь
I
Предчувствиям не верю и примет
Я не боюсь. Ни клеветы, ни яда
Я не бегу. На свете смерти нет.
Бессмертны все. Бессмертно все. Не надо
Бояться смерти ни в семнадцать лет,
Ни в семьдесят. Есть только явь и свет,
Ни тьмы, ни смерти нет на этом свете.
Мы все уже на берегу морском,
И я из тех, кто выбирает сети,
Когда идет бессмертье косяком.
II
Живите в доме - и не рухнет дом.
Я вызову любое из столетий,
Войду в него и дом построю в нем.
Вот почему со мною ваши дети
И жены ваши за одним столом -
А стол один и прадеду и внуку:
Грядущее свершается сейчас,
И если я приподнимаю руку,
Все пять лучей останутся у вас.
Я каждый день минувшего, как крепью,
Ключицами своими подпирал,
Измерил время землемерной цепью
И сквозь него прошел, как сквозь Урал.
III
Я век себе по росту подбирал.
Мы шли на юг, держали пыль над степью;
Бурьян чадил; кузнечик баловал,
Подковы трогал усом, и пророчил,
И гибелью грозил мне, как монах.
Судьбу свою к седлу я приторочил;
Я и сейчас, в грядущих временах,
Как мальчик, привстаю на стременах.
Мне моего бессмертия довольно,
Чтоб кровь моя из века в век текла.
За верный угол ровного тепла
Я жизнью заплатил бы своевольно,
Когда б ее летучая игла
Меня, как нить, по свету не вела.
(1965)
Morte e Vida
(Gustav Klimt: pintor
austríaco)
Vida, vida
I
Não acredito em
pressentimentos, e augúrios
Não me amedrontam.
Não fujo da calúnia
Nem do veneno. Não há
morte na Terra.
Todos são imortais.
Tudo é imortal. Não há por que
Ter medo da morte aos
dezessete
Ou mesmo aos setenta.
Realidade e luz
Existem, mas morte e
trevas, não.
Estamos agora todos
na praia,
E eu sou um dos que
içam as redes
Quando um cardume de
imortalidade nelas entra.
II
Vive na casa – e a
casa continua de pé.
Vou aparecer em
qualquer século.
Entrar e fazer uma
casa para mim.
É por isso que teus
filhos estão ao meu lado
E as tuas esposas,
todos sentados em uma mesa,
Uma mesa para o avô e
o neto.
O futuro é consumado
aqui e agora,
E se eu erguer
levemente minha mão diante de ti,
Ficarás com cinco
feixes de luz.
Com omoplatas como
esteios de madeira
Eu ergui todos os
dias que fizeram o passado,
Com uma cadeia de
agrimensor, eu medi o tempo
E viajei através dele
como se viajasse pelos Urais.
III
Escolhi uma era que estivesse à minha altura.
III
Escolhi uma era que estivesse à minha altura.
Rumamos para o sul,
fizemos a poeira rodopiar na estepe.
Ervaçais cresciam
viçosos; um gafanhoto tocava,
Esfregando as pernas,
profetizava.
E contou-me, como um
monge, que eu pereceria.
Peguei meu destino e
amarrei-o na minha sela;
E agora que cheguei
ao futuro ficarei
Ereto sobre meus
estribos como um garoto.
Só preciso da
imortalidade
Para que meu sangue
continue a fluir de era para era.
Eu prontamente
trocaria a vida
Por um lugar seguro e
quente
Se a agulha veloz da
vida
Não me puxasse pelo
mundo como uma linha.
Referência:
TARKOVSKI, Arseni. Жизнь, жизнь / Vida, vida. In: TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. Tradução de Jefferson
Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo. SP: Martins Fontes, 2010. Em russo: p. 301; em
português: p. 169.
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