Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Hermínio Bello de Carvalho - Como secar as palavras

O poeta se ressente das lições de frieza cerebrina que os experimentalismos hodiernos impingem aos que se deixam influenciar pelo fenômeno poético. Logo ele, o poeta, aquele que mais tem o espírito plasmado pelos sentimentos que as coisas deste mundo lhe insculpem na mente.

Por isso não se admirem todos se o poeta vê dificuldades tanto em seu ofício – o ofício do verso –, quanto na vida, em sua totalidade. O efeito disso tudo? Mensura-se pelo grau de umidade das palavras que escreve: há de se ter controle sobre as lágrimas que delas possam verter!

J.A.R. – H.C.

Apreciação da Obra do Autor
(PINTO, 2006, p. 82-83)

“O Hermínio poeta ‘de livro’ sempre ficou à sombra do Hermínio letrista, compositor e homem das lides culturais”, escreve o crítico Haquira Osakabe na introdução de Embornal, antologia que reúne a produção poética desse autor que ganhou notoriedade por suas parceiras com Pixinguinha, Chico Buarque e Paulinho da Viola, para ficar só nesses três. Existe uma distinção clara entre seu trabalho como letrista e sua poesia, embora esta seja atravessada por uma mitologia de figuras populares e divas. Tais remissões, entretanto, assinalam menos uma celebração de personagens da noite ou do samba do que uma tentativa de flagrar as emoções de quem vive à deriva, entre a dura condição suburbana e as fantasias do mundo do espetáculo — conforme se lê no poema “Pavana, Se Fosse Possível em Tempo de Samba, para Aracy de Almeida”, no qual a voz da cantora “se esfrega no corpo do operário, nos resíduos de óleo e graxa”, transformando-se na “grande praça pública” que – ainda segundo Osakabe – “galvaniza [...] o mundo dos fracassados”.
Um dos traços da literatura de Bello de Carvalho é a reabilitação da poesia como um canal de expressão emotiva, algo que de certa forma tinha sido tolhido pela ironia modernista e pelo cerebralismo das tendências mais experimentais: “como secar as palavras/ se elas entornam de minhas mãos/ indiferentes ao meu gesto controlador?”, escreve esse poeta consciente dos momentos em que a precisão formal deve dar espaço à desordem da experiência e à espontaneidade do sentimento. Assim, a alternância entre rigor compositivo e alta voltagem emocional permite que um poema como “Face à Faca” parta de um registro coloquial (“Só o amor constrói, que mentira.”) para conduzir, nas quadras finais, a uma vertiginosa sequência de figurações dessa “indecência atroz, quase demente”, ao mesmo tempo sublime e devastadora. Sob o lirismo de Hermínio Bello de Carvalho há uma violência latente, que se torna explícita quando ele se desvia da temática amorosa como no poema em que o javali à espreita é a imagem, ao mesmo tempo luxuriante e abjeta, daquilo que “entre humanos é quase inumano”.
Principais Obras: Chovi Azul em Teus Cabelos (edição independente, 1961), Ária & Percussão (Livraria São José, 1962), Argamassa (Livraria São José, 1964), Amor Arma Branca (Particular, I973), Bolha de Luz (edição independente, 1985), Contradigo (Folha Seca, 1999), Embornal - Antologia Poética (Martins Fontes, 2005).

Hermínio Bello de Carvalho
(n. 1935)

Como secar as palavras
se elas entornam de minhas mãos
indiferentes ao meu gesto controlador?
E como controlar as lágrimas, como fazê-lo?
se elas insistem em brotar como filetes de água
se anunciando cachoeiras ridículas, prestes a
desaguar rio acima?
Como ressecar os sentimentos
que umedecem a minha alma e parecem brotar
de novo
do pano de chão com que as esfrego, cônscio
da inutilidade do ato?
Difícil é o ofício, disse o poeta.
Mas viver, meu Deus!, também
como é difícil!

De: “Embornal” (Antologia Poética - 2005)

Composição VII
(Wassily Kandinsky: artista russo)

Referência:

CARVALHO, Hermínio Bello de. Como secar as palavras. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 79.

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