O poeta se ressente das lições de frieza cerebrina que os
experimentalismos hodiernos impingem aos que se deixam influenciar pelo
fenômeno poético. Logo ele, o poeta, aquele que mais tem o espírito plasmado
pelos sentimentos que as coisas deste mundo lhe insculpem na mente.
Por isso não se admirem todos se o poeta vê dificuldades tanto em seu
ofício – o ofício do verso –, quanto na vida, em sua totalidade. O efeito disso
tudo? Mensura-se pelo grau de umidade das palavras que escreve: há de se ter
controle sobre as lágrimas que delas possam verter!
J.A.R. – H.C.
Apreciação da Obra do Autor
(PINTO, 2006, p.
82-83)
“O Hermínio poeta ‘de
livro’ sempre ficou à sombra do Hermínio letrista, compositor e homem das lides
culturais”, escreve o crítico Haquira Osakabe na introdução de Embornal,
antologia que reúne a produção poética desse autor que ganhou notoriedade por
suas parceiras com Pixinguinha, Chico Buarque e Paulinho da Viola, para ficar
só nesses três. Existe uma distinção clara entre seu trabalho como letrista e
sua poesia, embora esta seja atravessada por uma mitologia de figuras populares
e divas. Tais remissões, entretanto, assinalam menos uma celebração de
personagens da noite ou do samba do que uma tentativa de flagrar as emoções de
quem vive à deriva, entre a dura condição suburbana e as fantasias do mundo do
espetáculo — conforme se lê no poema “Pavana, Se Fosse Possível em Tempo de
Samba, para Aracy de Almeida”, no qual a voz da cantora “se esfrega no corpo do
operário, nos resíduos de óleo e graxa”, transformando-se na “grande praça
pública” que – ainda segundo Osakabe – “galvaniza [...] o mundo dos fracassados”.
Um dos traços da literatura de Bello de
Carvalho é a reabilitação da poesia como um canal de expressão emotiva, algo
que de certa forma tinha sido tolhido pela ironia modernista e pelo
cerebralismo das tendências mais experimentais: “como secar as palavras/ se
elas entornam de minhas mãos/ indiferentes ao meu gesto controlador?”, escreve
esse poeta consciente dos momentos em que a precisão formal deve dar espaço à
desordem da experiência e à espontaneidade do sentimento. Assim, a alternância entre
rigor compositivo e alta voltagem emocional permite que um poema como “Face à
Faca” parta de um registro coloquial (“Só o amor constrói, que mentira.”) para
conduzir, nas quadras finais, a uma vertiginosa sequência de figurações dessa “indecência
atroz, quase demente”, ao mesmo tempo sublime e devastadora. Sob o lirismo de
Hermínio Bello de Carvalho há uma violência latente, que se torna explícita
quando ele se desvia da temática amorosa como no poema em que o javali à
espreita é a imagem, ao mesmo tempo luxuriante e abjeta, daquilo que “entre
humanos é quase inumano”.
Principais Obras: Chovi Azul em Teus Cabelos (edição
independente, 1961), Ária & Percussão
(Livraria São José, 1962), Argamassa
(Livraria São José, 1964), Amor Arma
Branca (Particular, I973), Bolha de
Luz (edição independente, 1985), Contradigo
(Folha Seca, 1999), Embornal - Antologia
Poética (Martins Fontes, 2005).
Hermínio Bello de Carvalho
(n. 1935)
Como secar as
palavras
se elas entornam de
minhas mãos
indiferentes ao meu
gesto controlador?
E como controlar as
lágrimas, como fazê-lo?
se elas insistem em
brotar como filetes de água
se anunciando cachoeiras
ridículas, prestes a
desaguar rio acima?
Como ressecar os
sentimentos
que umedecem a minha
alma e parecem brotar
de novo
do pano de chão com
que as esfrego, cônscio
da inutilidade do ato?
Difícil é o ofício,
disse o poeta.
Mas viver, meu Deus!,
também
como é difícil!
De: “Embornal” (Antologia Poética -
2005)
Composição VII
(Wassily Kandinsky:
artista russo)
Referência:
CARVALHO, Hermínio Bello de. Como secar
as palavras. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do
século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 79.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário