Numa paisagem que incorpora o mais nítido grau de sujeira incrustada nas
coisas, nas pessoas e nos animais, a poetisa se surpreende pela presença de uma
planta “deslocada” – “uma begônia hirsuta” –, disposta num banquinho decorado,
único canto do ambiente do posto de gasolina no qual encontra algum repouso de
beleza para os seus olhos, e onde se pressente uma potencial ingerência
feminina, afinal não tornada explícita no poema.
O olhar perscrutador de Elizabeth não deixa passar nenhum detalhe do
posto gerenciado familiarmente, ou melhor, que serve como própria vivenda para
a família que o opera: se a poetisa pintora fosse, suas telas seriam cheias de
minúcias a atrair a vista. Não é isso mesmo, leitor?!
J.A.R. – H.C.
Elizabeth Bishop
(1911-1979)
Filling Station
Oh, but it is dirty!
− this little filling station,
oil-soaked, oil-permeated
to a disturbing, over-all
black translucency.
Be careful with that match!
Father wears a dirty,
oil-soaked monkey suit
that cuts him under the arms
and several quick and saucy
and greasy sons assist him
(it’s a family filling station),
all quite thoroughly dirty.
Do they live in the station?
It has a cement porch
behind the pumps, and on it
a set of crushed and grease-
impregnated wickerwork;
on the wicker sofa
a dirty dog, quite comfy.
Some comic books provide
the only note of color −
of certain color. They lie
upon a big dim doily
draping a taboret
(part of the set), beside
a big hirsute begonia.
Why the extraneous
plant?
Why the taboret?
Why, oh why, the doily?
(Embroidered in daisy stitch
with marguerites, I think,
and heavy with gray crochet.)
Somebody embroidered the doily.
Somebody waters the plant,
or oils it, maybe. Somebody
arranges the rows of cans
so that they softly say:
ESSO-SO-SO-SO
to high-strung automobiles.
Somebody loves us all.
“Questions of Travel” (1965)
Texaco Filling Station
(Jim Pearson: artista
norte-americano)
Posto de Gasolina
Ah, mas como ele é
sujo!
– esse posto de
gasolina,
impregnado de óleo,
até ficar de um
negrume
transluzente,
assustador.
Cuidado com esse
fósforo!
O pai usa um macacão
sujo, impregnado de
óleo,
que o aperta nas
axilas,
e o ajudam vários
filhos
respondões, rápidos,
sujos
(o posto é de uma
família),
de graxa, todos
imundos.
Será que moram no
posto?
Atrás das bombas se
vê
uma varanda de
cimento,
com mobília de
palhinha
amassada e suja de
graxa;
no sofá, um cachorro
bem sujo se
refestela.
Há revistas em
quadrinhos –
o único toque de cor
bem definida –
largadas
sobre o caminho de
mesa
que enfeita um
banquinho (o qual
combina com os outros
móveis),
e uma begônia
hirsuta.
Por que essa planta
deslocada?
Por que o banquinho? Por quê,
por que o caminho de mesa?
(Bordado em ponto de cruz
com margaridas, creio eu,
e um pesado crochê cinzento.)
Alguém bordou esse pano.
Alguém põe água na planta,
ou óleo, sei lá. Alguém
dispõe as latas de modo
a fazê-las sussurrar:
ESSO-SO-SO-SO
pros automóveis nervosos.
Alguém nos ama, a nós todos.
“Questões de Viagem” (1965)
Referência:
BISHOP, Elizabeth. Filling station / Posto de gasolina. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Edição bilíngue.
Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. 1. ed. 2.
reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 288 e 290; em
português: p. 289 e 291.
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