Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

João Cabral de Melo Neto - A Carlos Drummond de Andrade

Um grande poeta – o pernambucano João Cabral de Melo Neto – a dedicar um poema a outro grande poeta – o mineiro Carlos Drummond de Andrade. Dois luminares da criação poética brasileira do século XX.

Cabral não vislumbra guaritas contra o amor – que dilacera –, o tédio – das coisas que se repetem indefinidamente –, o tempo – que tudo desgasta –, o mundo – interpretado de diferentes modos nas páginas dos jornais –, o poema enfim – este sim, criação espontânea, que irrompe como uma flor em qualquer terreno, “mesmo num canteiro”.

O poema... soberano e instintivo, a fluir em livre associação diretamente da mente do poeta. O poema... fruto da labuta de seu criador com as palavras, comedido, escandido, metrificado, mensurado, planejado como um filho que vem ao mundo com um propósito específico. Mas todos eles, poemas... porque a beleza não se expressa de maneira unívoca!

J.A.R. – H.C.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

A Carlos Drummond de Andrade

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

De: “O Engenheiro” (1942-1945)

O Jardim das Flores
(Émile Vernon: pintor francês)

Referência:

MELO NETO, João Cabral. A Carlos Drummond de Andrade. In:__________. Antologia poética. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; Sabiá, 1973. p. 267.

Nenhum comentário:

Postar um comentário