Um retrato do que seria um gato: tal é o tema do poema do escritor e
humorista carioca Millôr Fernandes que ora postamos, sempre com aquela leveza
característica de suas criações.
Já lá se vão, com este poema, oitenta postagens para o nosso marcador “Apologia
do Gato”, o que significa um elogio e tanto para esse que é um dos mais benquistos
companheiros humanos, com total independência de espírito.
J.A.R. – H.C.
Millôr Fernandes
(1923-2012)
Retrato
Comendo em cantos
Desconfiado
Quente e lustroso
Curvo e sedoso
Esgar de boca
Rasgado grito
Quando assustado
Bigode hirto
Andar felino
E feminino
Olhar que acende
A luz que apaga
A ronroneira
Quando ressona
O encolhimento
Antes do salto
Filosofia
Do dia a dia
Falso abandono
Ante seu dono
Um ódio eterno
A seu inimigo
Expressão mística
De um Egito antigo
Olhos de outrora
Se entramos tarde
Da madrugada
Se é dia claro
Ou é luz morna
Quando entardece
Tem infantil
Uma pata esquerda
Que rola a bola
Que rola o rolo
Que furta o bolo.
Esse o retrato
De um bicho esquivo
Chamado gato.
27/7/1962
Gravura extraída da
obra em referência (p. 123)
Referência:
FERNADES, Millôr. Retrato. In: __________.
Essa cara não me é estranha e outros
poemas. 1. ed. São Paulo, SP: Boa Companhia, 2014. p. 122-123.
ö
Nenhum comentário:
Postar um comentário