O quer que seja que exista no mundo pode ser convertido em palavras, em
maior ou menor grau de excelência. As palavras são o significado de todas as
coisas, condensadas pelo denominador comum da linguagem, a reverberar em nossas
mentes diuturnamente.
Mesmo as palavras podem ser objeto de redução a outras palavras, quando então
assumem a forma de discurso metalinguístico: é como começa e se mantém em boa
porção de versos a primeira parte do poema transcrito a seguir, de autoria do
poeta carioca Wlademir Dias-Pino, publicado originalmente em 1951.
J.A.R. – H.C.
Wlademir Dias-Pino
(n. 1927)
As Palavras
Essas palavras são
poemas,
Poemas que se repetem
Sobre si mesmas
Palavras e números;
Números de letras,
Número de sílabas.
Essas palavras são
poemas
Em que a vida se
repete
Sobre si mesma.
Palavras que
descansam, gentilmente,
Mil ideias de viagens
– Folhas e para cima,
arco-íris,
Principalmente,
Caminhos sobre todos
os muros.
Palavras coloridas
Como esse pássaro
Que canta agora,
– Escama de todos os
mares,
Cantando em luz
A música das Sereias
nadando,
– Pedaço de todos os
crepúsculos.
Palavras que ficam,
assim, tão perto
– Escama de todos os
mares,
De todas as ideias
que ainda nadam.
Palavras Suplicadas a
esmo?
Palavras...
Palavras... Palavras...
Abertas e
despetaladas em esquinas,
Mãos pousadas,
Após o gesto
Palavras que Servirão
amanhã,
Equilibrando,
Que-nem mastro,
A flâmula da imagem
Palavras pousadas,
Que-nem praia
Sobre as ondas das
ideias.
Palavras-pálpebras
abertas
Em portas,
Pontes no silêncio de
quem espera algo e
No destino do que tem
de atravessar
Acontece logo.
... também.
Palavras coloridas
Sorrindo como conchas
flutuando,
Eclodidas em desejos.
Palavras aos pares
– Mudos olhos –
Janelas-cais de
espelhos
Prendendo pés prontos
Para uma dança que
nunca se realizará.
Palavras-grades de
ferro de sacadas.
Boca de poços
salgada, de sombras
Taças em filas de
estradas de vidro,
Raízes arrancadas e
flutuando em lagos
Palavras-túnicas
vestindo pedras
Teias disfarçando
degraus
Peixes – gravado, em
folhas verde mar.
Palavras-curvas de
montanhas,
(A MORTE está tão
perto de nós
Que as coisas vistas
de longe
Têm um ar infantil)
Tatuagens pautando
cicatrizes,
Línguas inaugurando
figuras geométricas,
Pontes de espumas.
– o –
Madrugadas pintadas
em máscaras.
– o –
Esfinges de sombras,
E transformadas em
pianos,
Chuva e chafariz,
Sombras de distâncias
sobre desertos
Fotografia de torres,
De anjos, de sapatos,
de parentes
Crucificando outras
direções.
Cabelos da amada
cantando
Dentro das flautas
abandonados.
Fechaduras prendendo
mapas sob o vento
Ponteiros feitos de
rugas,
Riscos de vinho
completando corações,
Violinos descansando,
Separados por dedos
arrancados.
Jarras partidas por
âncoras,
Velhice das coisas
que estão voando,
Caveiras irisadas de
sinos silenciosos.
Como o espelho da
lança
Refletindo a vítima
antes de atingi-la.
A Sereia
(John William Waterhouse: pintor inglês)
Referência:
DIAS-PINO, Wlademir. As palavras. In: PINTO, José Nêumanne (Sel.). Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do
Século. Ilustrações de Tide Hellmeister. 2. ed. São Paulo, SP: Geração
Editorial, 2004. p. 168-171.
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