Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Olga Orozco - A Realidade e o Desejo

Num poema dedicado pela poetisa argentina Olga Orozco ao poeta espanhol Luis Cernuda – de quem ontem roubamos um poema para aqui postá-lo –, repete-se em seu título – “La Realidad y el Deseo” (“A Realidade e o Desejo”) – a mesma expressão que se atribuiu à recolha integral dos poemas de Cernuda.

A bem dizer, o poema de Olga sintetiza o espírito de que se reveste a obra de Cernuda – um autor assumidamente homossexual –, sempre muito pautada pelo dilema entre aparências e realidade. Daí porque o último verso da poetisa neste seu achado elogioso é um fecho dourado que sintetiza bastante a ideia intercorrente: a realidade como um selo de clausura sobre todas as portas do desejo.

J.A.R. – H.C.

Olga Orozco
(1920-1999)

La Realidad y el Deseo

A Luis Cernuda

La realidad, sí, la realidad,
ese relámpago de lo invisible
que revela en nosotros la soledad de Dios.

Es este cielo que huye.
Es este territorio engalanado por las burbujas de la muerte.
Es esta larga mesa a la deriva
donde los comensales persisten ataviados por el prestigio
de no estar.
A cada cual su copa
para medir el vino que se acaba donde empieza la sed.
Y cada cual su plato
para encerrar el hambre que se extingue sin saciarse jamás.
Y cada dos la división del pan:
el milagro al revés, la comunión tan sólo en lo imposible.
Y en medio del amor,
entre uno y otro cuerpo la caída,
algo que se asemeja al latido sombrío de unas alas
que vuelven desde la eternidad,
al pulso del adiós debajo de la tierra.

La realidad, sí, la realidad:
un sello de clausura sobre todas las puertas del deseo.

De: “Mutaciones de la Realidad” (1974)

Fada do Lago
(Autoria Desconhecida)

A Realidade e o Desejo

A realidade, sim, a realidade
esse relâmpago do invisível
que revela em nós a solidão de Deus.

É este céu que foge.
É este território engalanado pelas borbulhas da morte.
É esta longa mesa à deriva
onde os comensais continuam paramentados pelo prestígio
de não estar.
A cada qual sua taça
para medir o vinho que se acaba onde começa a sede.
E a cada qual seu prato
para acabar com a fome que se extingue sem saciar-se jamais.
E a cada dois a divisão do pão:
o milagre ao avesso, a comunhão tão somente no impossível.
E em meio ao amor,
entre um e outro corpo, a queda,
algo que se assemelha à batida sombria de umas asas
que regressam da eternidade,
ao toque do adeus sob a terra.

A realidade, sim, a realidade:
um selo de clausura sobre todas as portas de desejo.

Referência:

OROZCO, Olga. La realidad y el deseo. In: TAPSCOTT, Stephen (Ed). Twentieth-century latin american poetry: a bilingual anthology (Spanish-English). Fifth paperback print. Austin (TX): University of Texas Press, 2003. p. 282.

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