Num poema dedicado pela poetisa argentina Olga Orozco ao poeta espanhol
Luis Cernuda – de quem ontem roubamos um poema para aqui postá-lo –, repete-se
em seu título – “La Realidad y el Deseo” (“A Realidade e o Desejo”) – a mesma
expressão que se atribuiu à recolha integral dos poemas de Cernuda.
A bem dizer, o poema de Olga sintetiza o espírito de que se reveste a
obra de Cernuda – um autor assumidamente homossexual –, sempre muito pautada
pelo dilema entre aparências e realidade. Daí porque o último verso da poetisa
neste seu achado elogioso é um fecho dourado que sintetiza bastante a ideia
intercorrente: a realidade como um selo de clausura sobre todas as portas do
desejo.
J.A.R. – H.C.
Olga Orozco
(1920-1999)
La Realidad y el Deseo
A Luis Cernuda
La realidad, sí, la
realidad,
ese relámpago de lo
invisible
que revela en
nosotros la soledad de Dios.
Es este cielo que
huye.
Es este territorio
engalanado por las burbujas de la muerte.
Es esta larga mesa a
la deriva
donde los comensales
persisten ataviados por el prestigio
de no estar.
A cada cual su copa
para medir el vino
que se acaba donde empieza la sed.
Y cada cual su plato
para encerrar el
hambre que se extingue sin saciarse jamás.
Y cada dos la
división del pan:
el milagro al revés,
la comunión tan sólo en lo imposible.
Y en medio del amor,
entre uno y otro
cuerpo la caída,
algo que se asemeja
al latido sombrío de unas alas
que vuelven desde la eternidad,
al pulso del adiós
debajo de la tierra.
La realidad, sí, la
realidad:
un sello de clausura
sobre todas las puertas del deseo.
De: “Mutaciones de la Realidad” (1974)
De: “Mutaciones de la Realidad” (1974)
Fada do Lago
(Autoria
Desconhecida)
A Realidade e o Desejo
A realidade, sim, a
realidade
esse relâmpago do
invisível
que revela em nós a
solidão de Deus.
É este céu que foge.
É este território
engalanado pelas borbulhas da morte.
É esta longa mesa à
deriva
onde os comensais continuam
paramentados pelo prestígio
de não estar.
A cada qual sua taça
para medir o vinho
que se acaba onde começa a sede.
E a cada qual seu
prato
para acabar com a
fome que se extingue sem saciar-se jamais.
E a cada dois a
divisão do pão:
o milagre ao avesso,
a comunhão tão somente no impossível.
E em meio ao amor,
entre um e outro
corpo, a queda,
algo que se assemelha
à batida sombria de umas asas
que regressam da eternidade,
ao toque do adeus sob
a terra.
A realidade, sim, a
realidade:
um selo de clausura sobre
todas as portas de desejo.
Referência:
OROZCO, Olga. La realidad y el deseo. In: TAPSCOTT, Stephen (Ed). Twentieth-century latin american poetry: a bilingual anthology (Spanish-English).
Fifth paperback print. Austin (TX): University of Texas Press, 2003. p. 282.
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