Nos moldes rígidos de um soneto, topamos aqui com o poeta Lêdo Ivo bem
distante dos cânones modernistas que tanto cultuou. Mas apesar da forma fixa do
poema, já somos capazes de perceber as remissões a um mundo de liberdades que
se concentram na figura de um empinador de papagaios.
Há certa nostalgia da infância, resgatada por um homem já
suficientemente maduro, em pleno “inverno” da vida”, consciente de seus limites
temporais, mas não menos consciente de que sua cosmovisão pessoal pode ser
legada à eternidade pela robustez de sua poesia.
J.A.R. – H.C.
Lêdo Ivo
(1924-2012)
Soneto do Empinador de Papagaio
A nada aceito, exceto
a eternidade,
nesta viagem ambígua
que me leva
ao altar absoluto
que, na treva,
espera pela minha
inanidade.
O que sonhei, menino,
hoje é verdade
de alva estação que
em meu silêncio neva
o inverno de uma
fábula primeva
que foi sol, cego à
própria claridade.
Na hora do fim de
tudo, separados
fiquem os dois
comparsas do destino
que sabe a cinza após
o último alento.
E a morte guarde em
cova os injuriados
despojos do homem
feito; que o menino
empina o papagaio,
vive ao vento.
Meninos soltando pipas
(Cândido Portinari:
artista brasileiro)
Referência:
IVO, Lêdo. Soneto do empinador de
papagaio. In: __________. Os melhores
poemas de Lêdo Ivo. Seleção de Sérgio Alves Peixoto. 2. ed. São Paulo, SP:
Global, 1990. p. 103. (Os Melhores Poemas, n. 2)
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