Este poema do poeta carioca Ronald de Carvalho é um exemplo de que mesmo
as coisas mais simples podem ser objeto de belos poemas. Ronald retrata a cena
idílica de um hipotético ambiente interiorano, onde há ainda suficiente
integração entre as coisas criadas pelo homem e a natureza à volta.
A descrição das árvores como tendo o poder do canto é antológica: em vez
de afirmar que elas estão abarrotadas de aves, cigarras e insetos, o poeta
desloca o som desses animais para as folhas, fazendo crer ao leitor que não
somos capazes de identificar visualmente os autores do canto, mas apenas
assinalar que eles se encontram empoleirados nas árvores. Tudo de um modo muito
acessível e sugestivo!
J.A.R. – H.C.
Pintura de Vicente do
Rego Monteiro
Interior
Poeta dos trópicos,
tua sala de jantar
é simples e modesta
como um tranquilo pomar;
no aquário transparente,
cheio de água limosa,
nadam peixes
vermelhos, dourados e cor de rosa;
entra pelas verdes
venezianas uma poeira luminosa,
uma poeira de sol,
trêmula e silenciosa,
uma poeira de luz que
aumenta a solidão.
Abre a tua janela de
par em par. Lá fora, sob o céu de verão,
Todas as árvores
estão cantando! Cada folha
é um pássaro, cada
folha é uma cigarra, cada folha é um som...
O ar das chácaras
cheira a capim melado,
a ervas pisadas, a
baunilha, a mato quente e abafado.
Poeta dos trópicos,
dá-me no teu copo de
vidro colorido um gole d’água.
(Como é linda a
paisagem no cristal de um copo d’água!)
(Porto, 1922)
De: “Epigramas Irônicos e Sentimentais”
(Claude Monet: pintor
francês)
Referência:
CARVALHO, Ronald. Interior. In: __________.
Poesia e prosa. Org. Peregrino
Júnior. 2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. (Nossos clássicos, 45). p.34.
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