Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Jorge de Lima - Distribuição da Poesia

Naquele que considero um dos mais belos poemas brasileiros do século passado, o alagoano Jorge de Lima discorre ao modo de uma prédica, como se recitasse um sermão para os seus interlocutores, a quem pede que se acomodem sentados para ouvi-lo.

Mas o que se oferece aos presentes, além disso, não é um pão que se multiplica para poder saciar a fome das multidões, mas poesia, esse modo particular de ver o mundo, cujo conteúdo pode derivar tanto do belo quanto do seu oposto, tanto do material quanto do intangível, ou como antepõe o próprio poeta, tanto do doce mel silvestre, quanto do sal dos mares. Em suma, quer dos prazeres quer dos padecimentos da vida!

J.A.R. – H.C.

Jorge de Lima
(1893-1953)

Distribuição da Poesia

Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Escutai meus irmãos: poesia tirei de tudo
para oferecer ao Senhor.
Não tirei ouro da terra
nem sangue de meus irmãos.
Estalajadeiros não me incomodeis.
Bufarinheiros e banqueiros
sei fabricar distâncias
para vos recuar.
A vida está malograda,
creio nas mágicas de Deus.
Os galos não cantam,
a manhã não raiou.
Vi os navios irem e voltarem.

Vi os infelizes irem e voltarem.
Vi homens obesos dentro do fogo.
Vi ziguezagues na escuridão.
Capitão-mor, onde é o Congo?
Onde é a ilha de São Brandão?
Capitão-mor que noite escura!
Uivam molossos na escuridão.
Ó indesejáveis, qual o país,
qual o país que desejais?
Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Só tenho poesia para vos dar.
Abancai-vos meus irmãos.

A Apanhadora de Flores
(John William Waterhouse: pintor inglês)

Referência:

LIMA, Jorge de. Distribuição da poesia. In: __________. Melhores poemas de Jorge de Lima. Seleção de Gilberto Mendonça Teles. 3. ed. São Paulo, SP: Global, 2006. p. 81-82. (Coleção ‘Melhores Poemas’)

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