O autor do ‘post’ de hoje já aqui esteve por diversas vezes. O catalão
Salvador Espriu é autor de obras significativas no cenário literário de seu
país. São relevantes os traços relativos ao ambiente político em que imerso, em
especial o da guerra civil e da ditadura franquista.
O poema abaixo, em paralelo à fachada mais explícita da sátira de um
velho rico, seu tom caricatural e irônico, permite vislumbrar um cotejo entre
os conceitos de ganho e de pureza. Será possível que a história dos países possa
vir a ser outra que a de constantes pilhagens e guerras, para construir a fortuna
de alguns em detrimento da maioria?
J.A.R. – H.C.
Salvador Espriu
(1913-1985)
Guany Pur
Versots de Salom, en la paràfrasi del
“Pobre anguniejat”. Serà casual la
semblança amb algun conegut correcte.
Abatia a cops de pal,
perseguint-la dins el
somni
amb urgent tenacitat,
alta volada de
cignes,
nobles ocells
augurals.
Deixa la llum de
muntanyes
i davalla vers
ciutat.
Es decanta per
l'entrada
de cavall sicilià.
Treu darreres gotes
de qui no té res.
S'aprofita sempre
de fam o de set.
Tracta en pa,
rajoles,
teixits, ferro vell.
Ven avui per cent
el que costa tres.
Gemegant contava
a tothom que hi perd.
Aplega en poc temps
milions.
Aleshores adquiria
de l’Església
absolucions,
per si de cas hi ha
una mica
de Déu o potser
d'infern.
Tan segures
inversions
donaran renda bonica:
no saps mai si
aquestes coses
a la llarga són
reals.
Trametia als
hospitals
i als Infants
Escrofulosos,
a vegades, quatre
rals.
Tots els règims troba
bé,
mentre pugui fer
diner.
De prestigi va en
augment,
mastega amb
enteniment.
Per malalt no es fica
al llit.
És tan savi, que ha
reunit
llibres i llibres
triats
(lloms de pell,
títols daurats).
Per arrodonir
cultura,
compra discos i
pintura.
Es distreu jugant al
mus
i passeja en
automòbil
com si fos un gra de
pus.
Predicant seny i
moral,
arribava, gras,
content,
a una edat
patriarcal.
Moria sobtadament,
sense gens de
sofriment.
Quan el duen a
enterrar,
segueixen rera el
taüt
capellans i forces
vives,
innombrable multitud:
aprengui la joventut.
En nom de tots els
ocells
esclafats, dipositem,
en homenatge, corones
de lliris i de
clavells
al blanc sepulcre.
Després
corbarem, servils,
l'esquena
en presència dels
hereus.
O Agiota
(Gerard Dou: pintor
holandês)
Lucro Puro
Poeminhas de Salom (*) parafraseando o
“pobre coitado”. Será casual a
semelhança com qualquer conhecido
correto.
A pauladas, abatia
perseguindo-o nos
sonhos
com urgente teimosia
um soberbo voo de
cisnes,
aves augurais,
miríficas.
Renuncia a luz das
serras
e à cidade se
encaminha.
Decide imitar a
entrada
de um cavalo da
Sicília.
Tira últimos pingos
de quem nada tem.
Vai lucrando sempre
da fome e da sede.
Trata em pão,
tijolos,
roupa, ferro-velho.
O que custa três
mercadeja em cem.
A todos, gemendo,
conta o que perdeu.
Junta rápido milhões.
Chegou a hora de
adquirir
da Igreja as
absolvições
por se alguma coisa
existe
de Deus ou de
punições.
Investimentos tão
hábeis
só podem dar renda
boa
– afinal ninguém é
dono
da verdade, nestas
coisas.
A hospitais e instituições,
à criança escrofulosa
manda, às vezes, dois
tostões.
Qualquer regime acha
bom
contanto que dê
dinheiro.
Cresce muito seu
prestígio,
mastiga com grande
esmero.
Não há doença que o
dobre.
É tão sábio que
enfileira
livros capeados de couro
com os títulos em
ouro.
Completando sua
cultura
junta discos e
pintura.
Gosta de jogar ao
buraco
e passeia em seu
carrão
com ínfulas de
velhaco.
Pregando juízo e
moral
chegava, gordo e
contente
a uma idade
patriarcal.
Morria subitamente
sem nem ao menos
sofrer.
Quando o levam a
enterrar
andam, atrás do
caixão
sacerdotes, forças
vivas,
incontável multidão:
– Olhai, nova
geração!
Em nome dos muitos
pássaros
esmagados, deitamos,
como homenagem,
coroas
de açucenas e de
cravos
na branca tumba. Mais
tarde
curvaremo-nos,
servis,
na presença dos
herdeiros.
Nota:
(*) Salom, na mitologia particular de
Espriu, é um títere, sábio e palúrdio, simbolizando o Destino que, desde uma
impenetrável sombra, movimenta os fantoches do Grande Teatro do Mundo.
Referência:
ESPRIU, Salvador. Lucro puro. In:
SOLER, Luis (Organização e Tradução). 4
poetas da Catalunha. Edição bilíngue. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.
Em catalão, p. 108, 110 e 112; em português, p 109, 111 e 113.
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