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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 29 de julho de 2015

João Cabral de Melo Neto - Os Vazios do Homem

Neste belo poema, cheio de elipses e metáforas propositadas, de presenças e de ausências, de símiles e de oposições, João Cabral observa que o vazio do homem não é como qualquer outro, como o de um casaco ou de um saco vazios.

O vazio do homem é como a plenitude de coisas inchadas, como no caso de uma esponja, cheio de bolhas vazias, mas onde pulsa a vida. Um vazio que incha por estar vazio.

Obviamente que se trata de um vazio existencial – não inerte, como os vazios da própria esponja, aqui usada apenas como metáfora –, mas onde pulula o ser, ainda que em estado de potência, como numa semente ou nos componentes de um ovo, se empregarmos os referentes utilizados pelo poeta.

João Cabral sabe muito bem ao que busca aludir, pois não há quem duvide de que os vazios da existência são exatamente os que doem mais e levam o homem ao desespero!

J.A.R. – H.C.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

Os Vazios do Homem

1.

Os vazios do homem não sentem ao nada
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia não, qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.

2.

Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou o vazio que inchou por estar vazio.

Esponjas do Mar

Referência:

MELO NETO, João Cabral. Os vazios do homem. In: __________. Antologia poética. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora - Sabiá, 1973. p. 29.

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