Neste belo poema, cheio de elipses e metáforas propositadas, de
presenças e de ausências, de símiles e de oposições, João Cabral observa que o
vazio do homem não é como qualquer outro, como o de um casaco ou de um saco
vazios.
O vazio do homem é como a plenitude de coisas inchadas, como no caso de
uma esponja, cheio de bolhas vazias, mas onde pulsa a vida. Um vazio que incha
por estar vazio.
Obviamente que se trata de um vazio existencial – não inerte, como os
vazios da própria esponja, aqui usada apenas como metáfora –, mas onde pulula o
ser, ainda que em estado de potência, como numa semente ou nos componentes de
um ovo, se empregarmos os referentes utilizados pelo poeta.
João Cabral sabe muito bem ao que busca aludir, pois não há quem duvide
de que os vazios da existência são exatamente os que doem mais e levam o homem
ao desespero!
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Os Vazios do Homem
1.
Os vazios do homem
não sentem ao nada
do vazio qualquer: do
do casaco vazio,
do da saca vazia (que
não ficam de pé
quando vazios, ou o
homem com vazios);
os vazios do homem
sentem a um cheio
de uma coisa que
inchasse já inchada;
ou ao que deve
sentir, quando cheia,
uma saca: todavia
não, qualquer saca.
Os vazios do homem,
esse vazio cheio,
não sentem ao que uma
saca de tijolos,
uma saca de rebites;
nem têm o pulso
que bate numa de
sementes, de ovos.
2.
Os vazios do homem,
ainda que sintam
a uma plenitude (gora
mas presença)
contêm nadas, contêm
apenas vazios:
o que a esponja,
vazia quando plena;
incham do que a
esponja, de ar vazio,
e dela copiam
certamente a estrutura:
toda em grutas ou em
gotas de vazio,
postas em cachos de
bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio
sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas
cheias de vazio;
os vazios do homem ou
o vazio inchado:
ou o vazio que inchou
por estar vazio.
Esponjas do Mar
Referência:
MELO NETO, João Cabral. Os vazios do
homem. In: __________. Antologia poética.
2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora - Sabiá, 1973. p. 29.
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