Um poema que canta a simplicidade do mundo, as pequenas coisas de que
ele se adorna. Assim são as palavras do poeta mato-grossense Manoel de Barros,
as quais, como ele mesmo expressa, são empregadas para preencher os seus
próprios silêncios.
Dilemas opressivos, são os hiatos silenciosos, por isso mesmo, capazes
de se revestir de sentimentos sob a forma de linguagem. Por eles transitam
realidades anímicas que estão além dos objetos e seres que se manifestam ostensivamente
aos nossos olhos. Se mantivermos os olhos como metáfora, diríamos que são,
então, os “olhos do coração”, animado pela mais pura emoção.
J.A.R. – H.C.
Manoel de Barros
(1916-2014)
Apreciação de Manuel da Costa Pinto
(2006, p. 74-75)
Normalmente considerado
um caso pouco comum de “regionalismo poético” (por causa da temática ligada à
natureza que aparece em seus poemas), o mato-grossense Manoel de Barros se
utiliza do universo de plantas e bichos do Pantanal, de formas mínimas e seres
elementares (“Dou respeito às coisas desimportantes / e aos seres
desimportantes”) para buscar uma linguagem entretanto sintonizada com alguns
valores estéticos do modernismo. Os versos finais de “Os Caramujos” (“E achei
que esta história só caberia no impossível / Mas não; ela cabe aqui também”) e
o primeiro e o último versos de “O Apanhador de Desperdícios”, por exemplo,
assinalam um rebaixamento da poesia à experiência do ínfimo e, ao mesmo tempo,
uma aposta na sua enigmática universalidade (“meu quintal é maior do que o
mundo”). Outro elemento a ser destacado é que, sob a simplicidade quase
infantil de suas narrativas alegóricas, ele evoca uma distinção entre a
linguagem instrumental, utilitária, e a linguagem poética – com os versos de um
poema (“Não gosto das palavras / fatigadas de informar”) se completando no
verso final de outro (“as palavras continuam com seus deslimites”).
Principais Obras: Gramática Expositiva do Chão (1966), O Guardador de Águas (1989), O Livro das Ignorãças (1993), Livro sobre Nada (1996), Ensaios Fotográficos (2000), Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo
(2001) – todos editados ou reeditados pela Record – e Memórias Inventadas: A Infância (Planeta, 2003).
Natureza
(Autoria
desconhecida)
O Apanhador de Desperdícios
Uso a palavra para
compor meus silêncios.
Não gosto das
palavras
fatigadas de
informar.
Dou mais respeito
às que vivem de
barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque
das águas
Dou respeito às
coisas desimportantes
e aos seres
desimportantes.
Prezo insetos mais
que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais
que a dos mísseis.
Tenho em mim esse
atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de
passarinhos.
Tenho abundância de
ser feliz por isso.
Meu quintal é maior
do que o mundo.
Sou um apanhador de
desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha
voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da
informática:
Eu sou da
invencionática.
Só uso a palavra para
compor meus silêncios.
(De “Memórias Inventadas: A Infância”)
Referência:
BARROS, Manoel de. O apanhador de
desperdícios. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do
século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 73-74.
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