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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Manoel de Barros - O Apanhador de Desperdícios

Um poema que canta a simplicidade do mundo, as pequenas coisas de que ele se adorna. Assim são as palavras do poeta mato-grossense Manoel de Barros, as quais, como ele mesmo expressa, são empregadas para preencher os seus próprios silêncios.

Dilemas opressivos, são os hiatos silenciosos, por isso mesmo, capazes de se revestir de sentimentos sob a forma de linguagem. Por eles transitam realidades anímicas que estão além dos objetos e seres que se manifestam ostensivamente aos nossos olhos. Se mantivermos os olhos como metáfora, diríamos que são, então, os “olhos do coração”, animado pela mais pura emoção.

J.A.R. – H.C.

Manoel de Barros
(1916-2014)

Apreciação de Manuel da Costa Pinto (2006, p. 74-75)

Normalmente considerado um caso pouco comum de “regionalismo poético” (por causa da temática ligada à natureza que aparece em seus poemas), o mato-grossense Manoel de Barros se utiliza do universo de plantas e bichos do Pantanal, de formas mínimas e seres elementares (“Dou respeito às coisas desimportantes / e aos seres desimportantes”) para buscar uma linguagem entretanto sintonizada com alguns valores estéticos do modernismo. Os versos finais de “Os Caramujos” (“E achei que esta história só caberia no impossível / Mas não; ela cabe aqui também”) e o primeiro e o último versos de “O Apanhador de Desperdícios”, por exemplo, assinalam um rebaixamento da poesia à experiência do ínfimo e, ao mesmo tempo, uma aposta na sua enigmática universalidade (“meu quintal é maior do que o mundo”). Outro elemento a ser destacado é que, sob a simplicidade quase infantil de suas narrativas alegóricas, ele evoca uma distinção entre a linguagem instrumental, utilitária, e a linguagem poética – com os versos de um poema (“Não gosto das palavras / fatigadas de informar”) se completando no verso final de outro (“as palavras continuam com seus deslimites”).

Principais Obras: Gramática Expositiva do Chão (1966), O Guardador de Águas (1989), O Livro das Ignorãças (1993), Livro sobre Nada (1996), Ensaios Fotográficos (2000), Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo (2001) – todos editados ou reeditados pela Record – e Memórias Inventadas: A Infância (Planeta, 2003).

Natureza
(Autoria desconhecida)

O Apanhador de Desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
Eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

(De “Memórias Inventadas: A Infância”)

Referência:

BARROS, Manoel de. O apanhador de desperdícios. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 73-74.

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