Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Poetas do Grão-Pará (VI) - João de Jesus Paes Loureiro

Se o poeta de ontem, Iverson Carneiro, não foi capaz de externar (estou brincando, pois para mim é óbvio que a questão foi apenas de contenção do querer), em seu poema, qualquer ideia de luxúria que não se limitasse a esse vocábulo, tal não ocorre na obra de João de Jesus Paes Loureiro, embora não especificamente no poema que ilustra esta postagem.

Explico-me: quando, lá pelo final dos anos 80, tive contato com o seu premiado livro de poesias “Altar em Chamas” [a alusão é clara, como diria o Arnaldo!, pois se reporta à Amazônia sendo devastada pela exploração de suas madeiras e outras riquezas], sinceramente, leitor, a impressão visual indelével que se fixou em minha mente foi a de um rio caudaloso, espumoso, metaforizado em esperma, a gerar, prodigamente, os elementos que permitem à vida se manter em contínuo fluxo. E lá há, por extensão, magnânimos registros a tudo o que é da terra: água, muita água, chuvas, bairros antigos de Belém, lendas, peixes.

Mas, no poema que ora recolhemos, Loureiro, expressando-se de forma regional, consegue ser ao mesmo tempo universal em suas conexões de espaço e tempo. Digo melhor: é indisfarçável o modo como o poeta paraense emula o padrão e a musicalidade das quadras de Fernando Pessoa. Você pode confirmar, internauta, recitando o poema “Autopsicografia”, do autor lusitano e, depois, declamando as estrofes abaixo de Loureiro! Os ritmos de ambas as criações não se parecem?!

J.A.R. – H.C.

João de Jesus Paes Loureiro
(SAVARY, 2001, p. 219)

Poeta e professor de estética no Centro de Letras, Artes e Comunicação da UFPA, e de Educação Artística na Escola Técnica Federal. Mestre em Teoria Literária e Semiologia, tendo feito o curso de mestrado na Unicamp, SP. Expôs na 10ª Bienal Internacional de Artes Plásticas de São Paulo poemas visuais, em trabalho de parceria com o arquiteto Paulo Chaves Fernandes. Participou, com poema-objeto, da mostra “A Vanguarda Visual Brasileira – 50 Anos Depois da Semana de Arte Moderna”, organizada por Roberto Pontual, para a Galeria Collectio/SP, com inclusão no Dicionário de Artes Plásticas do Brasil.
Premiado pelo Instituto Nacional do Teatro (1975/76) com as peças Ilha da Ira e A Procissão do Sayré. Em 1984, recebeu o prêmio nacional de melhor livro de poesia do ano com Altar em Chamas pela APCA. Tem realizado recitais e atividades de poesia em várias cidades e países: Belém do Pará, Brasília, Porto Alegre, Canela, Gramado, Bogotá e Cartagena (na Colômbia); L’Áquila, (na Itália); Frankfurt, Hamburgo, Berlim e Munique (na Alemanha).
Algumas de suas obras estão traduzidas na Alemanha, China, EUA, Itália e Japão. Sua obra vem sendo estudada em universidades da França, EUA, Alemanha, pelo alto nível poético e pela importância universal que vem conferindo à temática amazônica. Situando o drama do homem no papel essencial entre a moldura da paisagem amazônica, João de Jesus provoca o ultrapassamento das circunstâncias pelo sentido perene de sua poesia. No balanço feito entre as décadas de 80 e 90, a APCA o inclui como um dos dez mais significativos poetas da década.

João de Jesus Paes Loureiro
(n. 1939)

VIII

A vela leva a canoa.
A canoa leva a vela.
É como ave que voa
nas penas que voam nela.

A canoa que é de vela
sem a vela não navega,
pois cada coisa precisa
daquilo com que se nega.

A vela salva a canoa
da morte, como a poesia
que enfuna as almas da língua
livrando-a da calmaria.

Cada coisa tem a outra
coisa de seu complemento.
A vela sem a canoa
é o nada solto no vento.

IX

O homem conduz o sonho.
O sonho conduz o homem,
no rio que dá noutro rio
que dá noutros rios, que somem

no rio a sumir no rio,
que passa em seu próprio nome,
no qual o homem navega
enquanto navega o homem.

Palavra que acende lâmpadas
no rio do sono, o sonho
leva em suas águas quem sonha
que águas o levam. Estranho

encanto do ser, que pensa
que sonha, quando é sonhado...
Como quem olha pro rio
mas, pelo rio, vê-se olhado.

Ver-o-Peso
(Olivar Cunha: pintor amapaense)

Referência:

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Excertos de poema VIII e IX. In: SAVARY, Olga (Seleção e Notas). Poesia do Grão-Pará. Rio de Janeiro, RJ: Graphia Editorial, 2001. p. 221-222.

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