Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Geraldo Reis - Naquele Janeiro

Janeiro já se encerra e deixa marcas profundas no corpo de uma Democracia que padece amordaçada nestas plagas, memórias inglórias de um país sublevado por tribos que desconhecem o que seja o agir civilizado!

 

Mas nem só de lembranças funestas vive o homem, como também de toda a jubilosa reminiscência que, sob a mirada reversa de um Jano, restou esculpida na face da terra, fazendo eclodir eflúvios poéticos no talhe de um soneto com versos juncados por toda a amplidão da página, a celebrarem a linguagem pela via de rodeios lúbricos direcionados à imaginação do leitor.

 

Num arranjo encantatório suscitado pela aura de uma “deusa” – como Afrodite ou Vênus –, o poeta junge a trama da palavra à textura dos elementos naturais à volta, de onde, pela apreensão do ingênito e do indômito que a tudo abarca, põe-nos a conjecturar sobre os reflexos palpáveis do que se suspeita projetar ao espelho: beleza, sedução, desejo e volúpia.

 

J.A.R. – H.C.

 

Geraldo Reis

(n. 1949)

 

Naquele Janeiro

 

Naquele janeiro as centopeias seriam silenciadas pela chuva

E carreadas até o primitivo desenho de teu corpo na pedra.

Naquele janeiro, as águas repetiriam teu nome no tropel dos cavalos

E o relâmpago recortaria nas grotas o caminho de teu seio.

 

Naquele janeiro habitarias para sempre o coração das águas

Entre musgo, lianas, serpentes e beijos.

Naquele janeiro dariam teu corpo como desterrado para sempre

E o barulho de teu sono anunciaria a instalação do caos na paisagem.

 

Naquele janeiro as vinhas seriam pisoteadas pelo gado

E as uvas encurtariam a embriaguez antiga

Do vinho derramado pela mão que repetiu teu gesto.

 

Naquele janeiro, deusa, tendo-se por dissipado na bruma o estampido

Seríamos surpreendidos pelo teu nome na velha folha de malva

E boiaríamos para sempre, órfãos de tua boca, de tua face, mãos e atropelos.

 

Perseverança

(Jennifer Healy: ilustradora norte-americana)

 

Referência:

 

REIS, Geraldo. Naquele janeiro. Disponível neste endereço. Acesso em: 31 jan. 2023.

11 comentários:

  1. São 23:14 minutos do dia seis de fevereiro de 2023. Acabo de fazer acesso ao BLOG DO CARTORP e depois de ler os registros críticos inseridos no blog sobre a MONTANHA MÁGICA, de Tomas Mann, e do poema a ele dedicado (belíssimo poema, aliás), tenho a noção de que nem tudo está perdido. Há uma esperança de melhores dias para o homem enquanto SER SENSÍVEL. Depois, passeando pelo blog, eu, "irmão menor das águas, irmão menor de todos os rios do mundo", encontro, como desejava, meu presente de Natal e Ano Novo, a publicação no blog do poema NAQUELE JANEIRO. Vou dormir como a criança que recebe um presente de Natal. João A. Rodrigues, sob o signo da emoção é que agradeço o destaque. A nota de leitura vai além, abre os horizontes de uma interpretação que dilacera as entranhas do poema e suscita "novos encantamentos". Registro a emoção desse instante! Depois de ler três ou quatro vezes a nota, estou me sentindo eternizado. Estou à deriva nesse mar de encantamento! Um brinde à vida, irmão! Com esse prêmio e com esse destaque, tenho a impressão de ter contribuído de alguma forma para aplacar a ira dos deuses. Haverá, sem dúvida, melhores dias para a Poesia e para o Homem enquanto Ser Sensível. Em verdade, resta a certeza de tenho muito a aprender. "Pra frente é que se anda", SIM, ainda chego lá. O meu sincero e emocionado muito obrigado. Deus lhe pague esse carinho e essa emoção!

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  2. Faltou dizer, com PERSEVERANÇA ainda chego lá(refiro-me à belíssima ilustração de Jennifer Healy) . Enfim, é isso. "Pra frente é que se anda"... É áspero, é longo, e é espinhoso o caminho da Poesia.

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  3. Linda poesía Parabens que Deus te abencoe e proteja sempre abracos

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  4. Meu primo de coração, mui querido, parabéns, pelo belo poema! Como sempre você muito nos enriquece com seus belos poemas. Naquele janeiro, muito me encantou. Obrigada pela rica poesia.

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  5. Poesia vem do fundo do coração, talvez individual, talvez ilumine poucos de uma grande nação . Abrcs Tio Gê de J.

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  6. Eis-me aqui, primo, a deliciar-me com seus versos, com sua poesia, que sempre me deixaram encantado, desde o nosso tempo de Rua Barão de Camargos (Rua dos Cortes) e Rua do Campinho (Rua Bicentenário até hoje. Abraços!.

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  7. Poeta excepcional, um alquimista das palavras. Mistura o cotidiano com o trancedental, o concreto com o etéreo. Merece destaque! Geraldo Reis deve ser lembrado sempre que se falar da boa poesia mineira de ontem é de hoje. sua poesia temgenuínas raizes de Minas. Parabéns ao blog.

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    1. Uai, lembraram de mim? Que coisa. Toda essa manifestação gratuita me dá força para prosseguir. A viagem não tem fim. Abraço poético e meu muito obrigado ao leito anônimo e ao autor do blog tão qualificado e campeão. Muita generosidade. Farei por merecer. Juro.

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  8. Parabéns Geraldo! Revi meu colega do ginasial, no Dom Frei Manoel da Cruz, não nos janeiros, mas nos fevereiros, início das aulas, na década de 60. Como imaginaria, no futuro ,tão sensível e grandioso poeta!

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    1. Obrigado, amigo. Conclui o antigo ginasial do Dom Frei em 1966. Na época foram distribuídos exemplares poema A DESPEDIDA que falei aí, emocionado. O professor Cónego José Geraldo Vidigal de Carvalho, das Academias Marianense e da Mineira de Letras, mandou imprimir. Mas, deixa seu nome aí na mensagem, amigo. Inté!

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  9. Parabéns poeta pelo belo poema!

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