Num dia calorento de
janeiro, auge do verão em Pindorama, o poeta esteve na famosa Confeitaria
Colombo, no centro do Rio de Janeiro (RJ), para tomar um café, “na fronteira
entre a manhã e a tarde”, quando pôde constatar a incessante rotatividade de
clientes no ambiente, especialmente mulheres, que ali ingressam para aquele
mesmo intento – ou algo bem mais promissor! (rs)
Lá estive apenas uma
vez, por volta de 1997, oportunidade em que encantei-me com a arquitetura e a
decoração interna do prédio – descritas por Júdice no poema em certeiras
palavras –, assim como no Real Gabinete Português de Leitura, outro primor de edifício
e paramentação, obras que já não se constroem, basta ver a arquitetura contemporânea,
funcional e fria, desvestida de uma estética mais lapidada.
J.A.R. – H.C.
Nuno Júdice
(n. 1949)
Imagem brasileira
Suponho que todos os
reflexos funcionavam
na confeitaria
Colombo do rio de janeiro:
todas as madeiras e
todos os metais,
exactas peças de uma
sinfonia de luz e sombra,
fixavam os tampos de
mármore das mesas,
as tampas de vidro
dos balcões, as linhas
dos escaparates de
vinhos e de bolos,
as máquinas
automáticas de sumos e de tabaco.
Não me sentei em
nenhuma mesa da confeitaria
Colombo, num dia de
janeiro em que o calor
subia do alcatrão
para o céu, e o céu lhe retribuía
com mais calor. Mas
ao entrar na confeitaria
Colombo, e
encostar-me ao balcão de mármore
que me punha no
centro de um universo provisório
de cúpulas e de
vitrais, eu aprendia de que forma
se constrói o mundo –
a partir de que transparência,
e sobre que pedra.
Não fui até ao fundo
da confeitaria Colombo,
no rio de janeiro,
até porque há limites que
nem sempre se podem definir,
num dia de janeiro,
com o calor a subir
do alcatrão para o céu. Umbrais,
limiares, pórticos:
vestígios da pura passagem de
um sítio para sítio
nenhum, enquanto se bebe
um café junto a um
tampo de mármore que roda
com o se fosse o
centro do universo: e, por trás dele,
rodam os sons que
correspondem à música dos astros,
e que são apenas as
palavras das mulheres que se
encostam ao balcão da
confeitaria Colombo
e pedem um café, como
eu, com um gesto de palavras
que se fixa nos
espelhos que nunca olho,
quando estou em
frente deles.
Assim, na fronteira
entre a manhã e a tarde,
vejo nascerem as
grandes flores brancas da vida
que entra e sai com
as mulheres da confeitaria
Colombo do rio de
janeiro; e penso, quando acabar
o café, estender a mão
para as colher, como se essas
flores vivessem
noutro lugar que não seja os seios
dessas mulheres que
se afastam, agora que acabo
o café, ao longo da
rua de chão de pedra onde o sol
vai bater,
perseguindo-as: as flores que murcham
com o sol, e se
transformam nos grandes frutos
verdes que rolam pelo
chão transparente
do rio de janeiro.
Em: “A Fonte da Vida”
(1997)
Bar Jardim –
Confeitaria Colombo (RJ)
(Foto inserta na
galeria do ‘site’)
Referência:
JÚDICE, Nuno. Imagem
brasileira. In: __________. Por dentro do fruto a chuva: antologia
poética. Seleção, organização e prefácio de Vera Lúcia de Oliveira. São Paulo,
SP: Escrituras, 2004. p. 104-105. (Coleção ‘Ponte Velha’)
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