Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 7 de janeiro de 2023

Nuno Júdice - Imagem brasileira

Num dia calorento de janeiro, auge do verão em Pindorama, o poeta esteve na famosa Confeitaria Colombo, no centro do Rio de Janeiro (RJ), para tomar um café, “na fronteira entre a manhã e a tarde”, quando pôde constatar a incessante rotatividade de clientes no ambiente, especialmente mulheres, que ali ingressam para aquele mesmo intento – ou algo bem mais promissor! (rs)

 

Lá estive apenas uma vez, por volta de 1997, oportunidade em que encantei-me com a arquitetura e a decoração interna do prédio – descritas por Júdice no poema em certeiras palavras –, assim como no Real Gabinete Português de Leitura, outro primor de edifício e paramentação, obras que já não se constroem, basta ver a arquitetura contemporânea, funcional e fria, desvestida de uma estética mais lapidada.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nuno Júdice

(n. 1949)

 

Imagem brasileira

 

Suponho que todos os reflexos funcionavam

na confeitaria Colombo do rio de janeiro:

todas as madeiras e todos os metais,

exactas peças de uma sinfonia de luz e sombra,

fixavam os tampos de mármore das mesas,

as tampas de vidro dos balcões, as linhas

dos escaparates de vinhos e de bolos,

as máquinas automáticas de sumos e de tabaco.

 

Não me sentei em nenhuma mesa da confeitaria

Colombo, num dia de janeiro em que o calor

subia do alcatrão para o céu, e o céu lhe retribuía

com mais calor. Mas ao entrar na confeitaria

Colombo, e encostar-me ao balcão de mármore

que me punha no centro de um universo provisório

de cúpulas e de vitrais, eu aprendia de que forma

se constrói o mundo – a partir de que transparência,

e sobre que pedra.

 

Não fui até ao fundo da confeitaria Colombo,

no rio de janeiro, até porque há limites que

nem sempre se podem definir, num dia de janeiro,

com o calor a subir do alcatrão para o céu. Umbrais,

limiares, pórticos: vestígios da pura passagem de

um sítio para sítio nenhum, enquanto se bebe

um café junto a um tampo de mármore que roda

com o se fosse o centro do universo: e, por trás dele,

rodam os sons que correspondem à música dos astros,

e que são apenas as palavras das mulheres que se

encostam ao balcão da confeitaria Colombo

e pedem um café, como eu, com um gesto de palavras

que se fixa nos espelhos que nunca olho,

quando estou em frente deles.

 

Assim, na fronteira entre a manhã e a tarde,

vejo nascerem as grandes flores brancas da vida

que entra e sai com as mulheres da confeitaria

Colombo do rio de janeiro; e penso, quando acabar

o café, estender a mão para as colher, como se essas

flores vivessem noutro lugar que não seja os seios

dessas mulheres que se afastam, agora que acabo

o café, ao longo da rua de chão de pedra onde o sol

vai bater, perseguindo-as: as flores que murcham

com o sol, e se transformam nos grandes frutos

verdes que rolam pelo chão transparente

do rio de janeiro.

 

Em: “A Fonte da Vida” (1997)

 

Bar Jardim – Confeitaria Colombo (RJ)

(Foto inserta na galeria do ‘site’)

 

Referência:

 

JÚDICE, Nuno. Imagem brasileira. In: __________. Por dentro do fruto a chuva: antologia poética. Seleção, organização e prefácio de Vera Lúcia de Oliveira. São Paulo, SP: Escrituras, 2004. p. 104-105. (Coleção ‘Ponte Velha’)

Nenhum comentário:

Postar um comentário