Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Eugenio Montale - Pequeno testamento

Montale busca aquilatar o papel das ideologias em confronto com os valores da fé – enquanto fortaleza de propósitos – e da esperança pelas quais ele, pertinazmente, sempre lutara, legando a uma pessoa tão apenas designada por “tu” – sua companheira, talvez – a tarefa de manter viva a sua herança espiritual, assente na honradez e na humildade, um tênue brilho que é algo mais do que o lume de um palito de fósforo atritado, nada obstante deveras meritório.

 

Veja-se que o poeta rejeita os juízos políticos propalados pela direita e pela esquerda: “não é luz de igreja (democracia-cristã) ou oficina (doutrina comunista)”, mas luz de um testemunho de luta e de expectativas em lenta consumação, mais morosa do que a de um “lenho na lareira”. De resto, a assunção de uma linguagem imagética para o mundo industrializado, mundo esse que, de tão degradado, tende a arrastar a todos para um cenário de morte.

 

J.A.R. – H.C.

 

Eugenio Montale

(1896-1981)

 

Piccolo testamento

 

Questo che a notte balugina

nella calotta del mio pensiero,

traccia madreperlacea di lumaca

o smeriglio di vetro calpestato,

non è lume di chiesa o d’officina

che alimenti

chierico rosso, o nero.

Solo quest’iride posso

lasciarti a testimonianza

d’una fede che fu combattuta,

d’una speranza che bruciò più lenta

di un duro ceppo nel focolare.

Conservane la cipria nello specchietto

quando spenta ogni lampada

la sardana si farà infernale

e un ombroso Lucifero scenderà su una prora

del Tamigi, del Hudson, della Senna

scuotendo I’ali di bitume semimozze

dalla fatica, a dirti: e l’ora.

Non è un’eredità, un portafortuna

che può reggere all’urto dei monsoni

suI fil di ragno della memoria,

maa una storia non dura che nella cenere

e persistenza è solo l’estinzione.

Giusto era il segno: chi l’ha ravvisato

non può fallire nel ritrovarti.

Ognuno riconosce i suoi: l’orgoglio

non era fuga, l’umiltà non era

vile, il tenue bagliore strofinato

laggiù non era quello di un fiammifero.

 

In: “La bufera e altro” (1940-1954)

 

A visão da morte

(Gustave Doré: ilustrador francês)

 

Pequeno testamento

 

Isto que a noite faz cintilar

na calota do meu pensamento,

rasto de madrepérola de caracol

ou esmagado esmeril de vidro,

não é luz de igreja ou oficina

a alimentar

clérigo vermelho ou preto.

Só este arco-íris posso

te deixar como testemunho

de uma fé pela qual se lutou,

de uma esperança que arde mais lentamente

do que um duro lenho na lareira.

Conserva o pó no teu espelhinho

até que todas as lâmpadas se apaguem,

a sardana se torne infernal

e um sombrio Lúcifer desça sobre uma proa

no Tâmisa, no Hudson, no Sena,

sacudindo suas asas de betume, algo mutiladas

pela fadiga, a te dizer: está na hora.

Não é uma herança, um amuleto de boa sorte

capaz de resistir ao impacto das monções

sobre um filamento da teia de aranha da memória,

mas uma história que perdura apenas nas cinzas

e a persistência é só extinção.

O sinal estava certo: quem o avistou

não pode deixar de te reencontrar.

Cada um reconhece o seu: o orgulho

não era fuga, a humildade não era

covardia, o tênue brilho que, lá embaixo,

se desprendia do atrito não era o de um fósforo.

 

Em: “A tempestade e outros poemas” (1940-1954)

 

Referência:

 

MONTALE, Eugenio. Piccolo testamento. In: __________. Collected Poems: 1920-1954. Bilingual edition: italian x english. Translated and annotated by Jonathan Galassi. New York (NY): Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 406.

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