Montale busca
aquilatar o papel das ideologias em confronto com os valores da fé – enquanto fortaleza
de propósitos – e da esperança pelas quais ele, pertinazmente, sempre lutara,
legando a uma pessoa tão apenas designada por “tu” – sua companheira, talvez –
a tarefa de manter viva a sua herança espiritual, assente na honradez e na
humildade, um tênue brilho que é algo mais do que o lume de um palito de
fósforo atritado, nada obstante deveras meritório.
Veja-se que o poeta
rejeita os juízos políticos propalados pela direita e pela esquerda: “não é luz
de igreja (democracia-cristã) ou oficina (doutrina comunista)”, mas luz de um
testemunho de luta e de expectativas em lenta consumação, mais morosa do que a
de um “lenho na lareira”. De resto, a assunção de uma linguagem imagética para
o mundo industrializado, mundo esse que, de tão degradado, tende a arrastar a
todos para um cenário de morte.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
Piccolo testamento
Questo che a notte
balugina
nella calotta del mio
pensiero,
traccia madreperlacea
di lumaca
o smeriglio di vetro
calpestato,
non è lume di chiesa
o d’officina
che alimenti
chierico rosso, o
nero.
Solo quest’iride
posso
lasciarti a
testimonianza
d’una fede che fu
combattuta,
d’una speranza che
bruciò più lenta
di un duro ceppo nel
focolare.
Conservane la cipria
nello specchietto
quando spenta ogni
lampada
la sardana si farà
infernale
e un ombroso Lucifero
scenderà su una prora
del Tamigi, del
Hudson, della Senna
scuotendo I’ali di
bitume semimozze
dalla fatica, a
dirti: e l’ora.
Non è un’eredità, un
portafortuna
che può reggere all’urto
dei monsoni
suI fil di ragno
della memoria,
maa una storia non
dura che nella cenere
e persistenza è solo
l’estinzione.
Giusto era il segno:
chi l’ha ravvisato
non può fallire nel
ritrovarti.
Ognuno riconosce i
suoi: l’orgoglio
non era fuga, l’umiltà
non era
vile, il tenue
bagliore strofinato
laggiù non era quello
di un fiammifero.
In: “La bufera e
altro” (1940-1954)
A visão da morte
(Gustave Doré:
ilustrador francês)
Pequeno testamento
Isto que a noite faz
cintilar
na calota do meu
pensamento,
rasto de madrepérola
de caracol
ou esmagado esmeril
de vidro,
não é luz de igreja
ou oficina
a alimentar
clérigo vermelho ou
preto.
Só este arco-íris
posso
te deixar como
testemunho
de uma fé pela qual
se lutou,
de uma esperança que arde
mais lentamente
do que um duro lenho
na lareira.
Conserva o pó no teu
espelhinho
até que todas as lâmpadas
se apaguem,
a sardana se torne infernal
e um sombrio Lúcifer
desça sobre uma proa
no Tâmisa, no Hudson,
no Sena,
sacudindo suas asas de
betume, algo mutiladas
pela fadiga, a te
dizer: está na hora.
Não é uma herança, um
amuleto de boa sorte
capaz de resistir ao
impacto das monções
sobre um filamento da
teia de aranha da memória,
mas uma história que
perdura apenas nas cinzas
e a persistência é só
extinção.
O sinal estava certo:
quem o avistou
não pode deixar de te
reencontrar.
Cada um reconhece o
seu: o orgulho
não era fuga, a
humildade não era
covardia, o tênue
brilho que, lá embaixo,
se desprendia do
atrito não era o de um fósforo.
Em: “A tempestade e
outros poemas” (1940-1954)
Referência:
MONTALE, Eugenio.
Piccolo testamento. In: __________. Collected Poems: 1920-1954.
Bilingual edition: italian x english. Translated and annotated by Jonathan
Galassi. New York (NY): Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 406.
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