Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de janeiro de 2023

Lêdo Ivo - A vã feitiçaria

Lutando contra as palavras – dragões vencidos pela mágica – o poeta inventa a flor, uma “rosa que morre por se tornar eterna”, metáfora decerto para o poema: aos olhos do falante, o ato mesmo de fazer emergir a poesia das entrelinhas da vida – um “galpão de sortilégios” – consistiria em “feitiçaria” que se entabula em meio a vanidade do mundo.

 

Fantasia imaginativa, pejada de valências simbólicas, essa rosa, como o afirma Angelus Silesius (1624-1677), não tem porquê: floresce porque floresce. Irmã incompreensível da magia, segundo Guimarães Rosa (1908-1967), seus mistérios são sulcos paralelos ao próprio enigma da existência, devendo ser perscrutados com sutileza, intuição e sensibilidade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lêdo Ivo

(1924-2012)

 

A vã feitiçaria

 

Invento a flor e, mais que a flor, o orvalho

que a torna testemunha desta aurora.

Invento o espelho e, mais que o espelho, o amor

onde eu me vejo, vivo, num sarcófago.

E a vida, este galpão de sortilégios,

deixa que eu a invente com palavras

que são dragões vencidos pela mágica.

E não me espanta que eu, sendo mortal,

sujeito à injúria de tornar-me em pó,

crie uma rosa eterna como as rosas

inexistentes nesta flora efêmera.

Sonho de um sonho, a vida, ao vento, escoa-se

em vãs lembranças. Minha rosa morre

por ser eterna, sendo o mundo vão.

 

Em: “Linguagem: 1949-1951” (1951)

 

Rosa com gotas de orvalho

(Irina Sztukowski: artista russo-americana)

 

Referência:

 

IVO, Lêdo. A vã feitiçaria. In: BANDEIRA, Manuel (Org.). Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia dos poetas brasileiros. Rio de Janeiro, GB: Tecnoprint, 1967. p. 421.

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