Lutando contra as
palavras – dragões vencidos pela mágica – o poeta inventa a flor, uma “rosa que
morre por se tornar eterna”, metáfora decerto para o poema: aos olhos do falante,
o ato mesmo de fazer emergir a poesia das entrelinhas da vida – um “galpão de
sortilégios” – consistiria em “feitiçaria” que se entabula em meio a vanidade
do mundo.
Fantasia imaginativa,
pejada de valências simbólicas, essa rosa, como o afirma Angelus Silesius (1624-1677),
não tem porquê: floresce porque floresce. Irmã incompreensível da magia,
segundo Guimarães Rosa (1908-1967), seus mistérios são sulcos paralelos ao
próprio enigma da existência, devendo ser perscrutados com sutileza, intuição e
sensibilidade.
J.A.R. – H.C.
Lêdo Ivo
(1924-2012)
A vã feitiçaria
Invento a flor e,
mais que a flor, o orvalho
que a torna
testemunha desta aurora.
Invento o espelho e,
mais que o espelho, o amor
onde eu me vejo,
vivo, num sarcófago.
E a vida, este galpão
de sortilégios,
deixa que eu a
invente com palavras
que são dragões
vencidos pela mágica.
E não me espanta que
eu, sendo mortal,
sujeito à injúria de
tornar-me em pó,
crie uma rosa eterna
como as rosas
inexistentes nesta
flora efêmera.
Sonho de um sonho, a
vida, ao vento, escoa-se
em vãs lembranças.
Minha rosa morre
por ser eterna, sendo
o mundo vão.
Em: “Linguagem:
1949-1951” (1951)
Rosa com gotas de
orvalho
(Irina Sztukowski: artista
russo-americana)
Referência:
IVO, Lêdo. A vã feitiçaria. In: BANDEIRA, Manuel (Org.). Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia dos poetas brasileiros. Rio de Janeiro, GB: Tecnoprint, 1967. p. 421.
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