Nestas quatro
estrofes, de distintas topografias, o ente lírico corresponde à própria pessoa
de Gaspar Hauser (1812-1833), personagem real que, criado de forma alienante, foi
posteriormente abandonado, envolto em mistério, em uma praça pública de Nuremberg
(DE), em maio de 1828, sendo então criado por tutores, até ser assassinado, em
dezembro de 1833, nos jardins do palácio de Ansbach.
Sem contatos verbais
e mantido em ambiente escuro a pão e água – segundos os seus próprios e
supervenientes relatos –, Hauser logo despertou teorias diversas sobre a sua
origem, como a de que seria um indesejado príncipe herdeiro da família real de
Baden, especulação que até hoje se estende, por conta de controvérsias intermináveis
(v. aqui, seção “Análises
de DNA”).
A história também deu
ensejo à película “O enigma de Kaspar Hauser”, de 1974, do diretor alemão Werner
Herzog, baseado na obra “Casper Hauser oder die Trägheit des Herzens” (1908),
de Jakob Wassermann, vertido ao português, no Brasil, por Adonias Filho, sob o
título “Gaspar Hauser ou a indolência do coração”.
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
Gaspar Hauser
Ninguém mais pode
escolher
A vida que lhe
apetece.
Ninguém mais pode ser
só:
As almas são
reveladas
À luz de mil
holofotes.
Em torno de mim se
agita
Uma conspiração de
olhares.
Vou tomar a
carruagem,
Comunicam ao mundo
inteiro.
Cheiro uma rosa –
explodiu.
Só tive consolo e paz
No ventre da minha
mãe.
A quinta-coluna que
existe
Desde o princípio do
tempo
Não me deixa
respirar.
Sou sempre triste, no
escuro.
Adeus universo
padrasto,
Que rejeitas o
inocente,
O órfão, o pobre, o
nu.
Não acho irmandade em
ninguém:
Morrendo, sou livre
enfim.
Em: “Poesia Liberdade”
(1943-1945)”
Kaspar Hauser
(Johann Friedrich
Carl Kreul: pintor alemão)
Referência:
MENDES, Murilo.
Gaspar Hauser. In: __________. Poesia completa e prosa. Organização,
preparação do texto e notas de Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro, RJ: Nova
Aguilar, 1995. p. 412.
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