Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de janeiro de 2023

Murilo Mendes - Gaspar Hauser

Nestas quatro estrofes, de distintas topografias, o ente lírico corresponde à própria pessoa de Gaspar Hauser (1812-1833), personagem real que, criado de forma alienante, foi posteriormente abandonado, envolto em mistério, em uma praça pública de Nuremberg (DE), em maio de 1828, sendo então criado por tutores, até ser assassinado, em dezembro de 1833, nos jardins do palácio de Ansbach.

 

Sem contatos verbais e mantido em ambiente escuro a pão e água – segundos os seus próprios e supervenientes relatos –, Hauser logo despertou teorias diversas sobre a sua origem, como a de que seria um indesejado príncipe herdeiro da família real de Baden, especulação que até hoje se estende, por conta de controvérsias intermináveis (v. aqui, seção “Análises de DNA”).

 

A história também deu ensejo à película “O enigma de Kaspar Hauser”, de 1974, do diretor alemão Werner Herzog, baseado na obra “Casper Hauser oder die Trägheit des Herzens” (1908), de Jakob Wassermann, vertido ao português, no Brasil, por Adonias Filho, sob o título “Gaspar Hauser ou a indolência do coração”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Murilo Mendes

(1901-1975)

 

Gaspar Hauser

 

Ninguém mais pode escolher

A vida que lhe apetece.

Ninguém mais pode ser só:

As almas são reveladas

À luz de mil holofotes.

 

Em torno de mim se agita

Uma conspiração de olhares.

Vou tomar a carruagem,

Comunicam ao mundo inteiro.

Cheiro uma rosa – explodiu.

Só tive consolo e paz

No ventre da minha mãe.

 

A quinta-coluna que existe

Desde o princípio do tempo

Não me deixa respirar.

Sou sempre triste, no escuro.

 

Adeus universo padrasto,

Que rejeitas o inocente,

O órfão, o pobre, o nu.

Não acho irmandade em ninguém:

Morrendo, sou livre enfim.

 

Em: “Poesia Liberdade” (1943-1945)”

 

Kaspar Hauser

(Johann Friedrich Carl Kreul: pintor alemão)

 

Referência:

 

MENDES, Murilo. Gaspar Hauser. In: __________. Poesia completa e prosa. Organização, preparação do texto e notas de Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1995. p. 412.

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