Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

René Char - Aldeia Vertical

Assim como na técnica de superposição de camadas sobre camadas nos arranjos pictóricos, Char entorna as palavras nestes versos para mimetizar o soerguimento de uma espécie de “aldeia vertical”, com o cuidado de quem, esperando pelas “Coisas”, sabe muito bem que elas podem se revelar “sombrias ou demasiado ornamentadas”, predicados que se associam, antiteticamente, às experiências diante do medo e da liberação.

 

Juntando-se ao coletivo de “lobos”, “enobrecidos” e “nevados” – uma matilha metafórica, obviamente –, o falante afasta, em princípio, o arquétipo imediato, associado ao princípio da destruição, de maus augúrios, para atribuir-lhe um sentido assertivo, de espreita furtiva em relação a eventos do porvir, quando então, sob outros auspícios, poderá sobrevir a filiação à “amplitude de montante” – aparentemente, um regresso a certo âmbito mais circunscrito, mais restrito ou familiar, que, de algum modo, restou desintegrado.

 

J.A.R. – H.C.

 

René Char

(1907-1988)

 

Le Village Vertical

 

Tels des loups ennoblis

Par leur disparition,

Nous guettons l’an de crainte

Et de libération.

 

Les loups enneigés

Des lointaines battues

A la date effacée.

 

Sous l’avenir qui gronde

Furtifs, nous attendons

Pour nous affilier

L’amplitude d’amont.

 

Nous savons que les Choses arrivent

Soudainement

Sombres ou trop ornées.

 

Le dard qui liait les deux draps

Vie contre vie, clameur et mont,

Fulgura.

 

Dans: “Le nu pedu” (1971)

 

Aldeia Ardennes

(Pol Ledent: artista belga)

 

A Aldeia Vertical

 

Como lobos enobrecidos

Por sua desaparição,

Vigiamos o ano de medos

E de liberação.

 

Os lobos nevados

Das remotas batidas,

Em data sem traço.

 

Aos uivos do futuro,

Aguardamos, furtivos,

Para nos filiar,

A amplidão rio acima.

 

Sabemos que as Coisas chegam.

Subitamente,

Sombrias ou embrincadas.

 

O dardo que drapejou,

Vida sobre vida, clamor e monte,

Fulgurou.

 

Referência:

 

CHAR, René. Le village vertical / A aldeia vertical. Tradução de Augusto Contador Borges. In: __________. O nu perdido e outros poemas. Tradução, ensaio e notas de Augusto Contador Borges. São Paulo, SP: Iluminuras, 1995. Em francês: p. 114; em português: p. 115.

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