Assim como na técnica
de superposição de camadas sobre camadas nos arranjos pictóricos, Char entorna as
palavras nestes versos para mimetizar o soerguimento de uma espécie de “aldeia vertical”, com o
cuidado de quem, esperando pelas “Coisas”, sabe muito bem que elas podem se
revelar “sombrias ou demasiado ornamentadas”, predicados que se associam,
antiteticamente, às experiências diante do medo e da liberação.
Juntando-se ao
coletivo de “lobos”, “enobrecidos” e “nevados” – uma matilha metafórica, obviamente
–, o falante afasta, em princípio, o arquétipo imediato, associado ao princípio
da destruição, de maus augúrios, para atribuir-lhe um sentido assertivo, de
espreita furtiva em relação a eventos do porvir, quando então, sob outros
auspícios, poderá sobrevir a filiação à “amplitude de montante” –
aparentemente, um regresso a certo âmbito mais circunscrito, mais restrito ou
familiar, que, de algum modo, restou desintegrado.
J.A.R. – H.C.
René Char
(1907-1988)
Le Village Vertical
Tels des loups
ennoblis
Par leur disparition,
Nous guettons l’an de
crainte
Et de libération.
Les loups enneigés
Des lointaines
battues
A la date effacée.
Sous l’avenir qui
gronde
Furtifs, nous
attendons
Pour nous affilier
L’amplitude d’amont.
Nous savons que les Choses
arrivent
Soudainement
Sombres ou trop
ornées.
Le dard qui liait les
deux draps
Vie contre vie,
clameur et mont,
Fulgura.
Dans: “Le nu pedu”
(1971)
Aldeia Ardennes
(Pol Ledent: artista
belga)
A Aldeia Vertical
Como lobos
enobrecidos
Por sua desaparição,
Vigiamos o ano de medos
E de liberação.
Os lobos nevados
Das remotas batidas,
Em data sem traço.
Aos uivos do futuro,
Aguardamos, furtivos,
Para nos filiar,
A amplidão rio acima.
Sabemos que as Coisas
chegam.
Subitamente,
Sombrias ou
embrincadas.
O dardo que drapejou,
Vida sobre vida,
clamor e monte,
Fulgurou.
Referência:
CHAR, René. Le village
vertical / A aldeia vertical. Tradução de Augusto Contador Borges. In:
__________. O nu perdido e outros poemas. Tradução, ensaio e notas de
Augusto Contador Borges. São Paulo, SP: Iluminuras, 1995. Em francês: p. 114;
em português: p. 115.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário