Partindo de uma
resposta a uma hipotética pergunta de como se deveria pintar um riacho de
montanha, o falante apregoa um comando nada convencional, porquanto se revertem
os sentidos auditivo e visual em relação aos correspondentes verbos – “pinta
este ritmo, não esta coisa” –, orientados, de fato, a contrapor o dinâmico ao estático.
Tal é apenas um dos
diversos paradoxos apresentados ao longo deste poema: como algo pode revelar
fluxo estando parado; como algo pode partir e permanecer, a um só tempo; como
algo obtém força ao perder força? Ou num aparte concludente: o regresso ao vetusto
questionamento a defrontar Parmênides a Heráclito, ou seja, se a realidade é
permanente ou está em constante estado de mudança – como deveras parece estar.
No rio de Heráclito –
no riacho de Nemerov – não nos banhamos duas vezes. Na pluralidade do mundo, a
unidade de todas as coisas – o ritmo do poeta, uma retórica sonante de perguntas
e repostas. A realidade na mente como ritmo de conexão espaço-temporal entre
todos os eventos anteriores e subsequentes, na fecunda progressão da natureza.
J.A.R. – H.C.
Howard Nemerov
(1920-1991)
Painting a Mountain
Stream
Running and standing
still at once
is the whole truth.
Raveled or combed,
wrinkled or clear, it
gets its force
from losing force.
Going it stays.
PuIse beats and
planets echo this,
the running down, the
standing still,
all thunder of one
thought.
The mind that speaks
it is unfounded.
I speak of what is
running down.
Of sun, of thunder bearing
the rain,
I do not speak of the
rising flame
Or the slow towering
of the elm.
A comb was found in a
girl’s grave
(ah, heartsblood
raveled like a rope).
The visible way is
always down
but there is no floor
to the world.
Study this rhythm,
not this thing.
The brush’s tip
streams from the wrist
of a living man, a
dying man.
The running water is
the wrist.
In the confidence of
the wrist
things and ideas
ripple together,
as in the clear lake
of the eye,
unfathomably, running
remains.
The eye travels on
running water,
out to the sky, if
you let it go.
However often you
call it back
it travels again, out
to the sky.
The water that seemed
to stand is gone.
The water that seemed
to run is here.
Steady the wrist,
steady the eyes;
paint this rhythm,
not this thing.
Córrego na montanha
(Darice Machel
McGuire: pintora norte-americana)
Pintando um Regato
Montanhês
Correndo e parado ao
mesmo tempo
é toda a verdade.
Emaranhado ou arrumado,
enrugado ou liso, ele
obtém sua força
da perda de força.
Indo, permanece.
O pulso bate, e os
planetas ecoam isso,
o correr, o
permanecer,
tudo estrondo do
único pensamento.
A mente que o pensa
não tem fundamento.
Eu falo do que corre.
Do sol, do trovão
conduzindo a chuva,
não falo da chama que
se eleva
ou da lenta
sobranceria do olmo.
Um pente foi achado
na tumba de uma moça
(ah, sangue de
corações enredado como uma corda).
A forma visível está
sempre em baixo,
mas não há piso para
o mundo.
Estuda este ritmo,
não esta coisa.
A ponta do pincel
flui do pulso
de um homem vivo, um
homem agonizante.
A água corrente é o
pulso.
Na confidência do
pulso
as coisas e ideias
rumorejam juntas,
como no lago claro do
olho,
insondavelmente, o
correr permanece.
O olho viaja em água
corrente,
para o céu, se o
deixas partir.
Por mais que o chames
de volta,
ele viaja de novo,
para o céu.
A água que parecia
parada foi-se.
A água que parecia
corrente aqui está.
Firma o pulso, firma
o olho;
pinta este ritmo, não
esta coisa.
Referência:
NEMEROV, Howard. Painting
a mountain stream / Pintando um regato montanhês. Tradução de Marcos
Santarrita. In: NEMEROV, Howard (Coordenação). Poesia como criação. Rio
de Janeiro, GB: Edições GRD, 1968. Em inglês: p. 301-302; em português: p.
303-304.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário