Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Howard Nemerov - Pintando um Regato Montanhês

Partindo de uma resposta a uma hipotética pergunta de como se deveria pintar um riacho de montanha, o falante apregoa um comando nada convencional, porquanto se revertem os sentidos auditivo e visual em relação aos correspondentes verbos – “pinta este ritmo, não esta coisa” –, orientados, de fato, a contrapor o dinâmico ao estático.

 

Tal é apenas um dos diversos paradoxos apresentados ao longo deste poema: como algo pode revelar fluxo estando parado; como algo pode partir e permanecer, a um só tempo; como algo obtém força ao perder força? Ou num aparte concludente: o regresso ao vetusto questionamento a defrontar Parmênides a Heráclito, ou seja, se a realidade é permanente ou está em constante estado de mudança – como deveras parece estar.

 

No rio de Heráclito – no riacho de Nemerov – não nos banhamos duas vezes. Na pluralidade do mundo, a unidade de todas as coisas – o ritmo do poeta, uma retórica sonante de perguntas e repostas. A realidade na mente como ritmo de conexão espaço-temporal entre todos os eventos anteriores e subsequentes, na fecunda progressão da natureza.

 

J.A.R. – H.C.

 

Howard Nemerov

(1920-1991)

 

Painting a Mountain Stream

 

Running and standing still at once

is the whole truth. Raveled or combed,

wrinkled or clear, it gets its force

from losing force. Going it stays.

 

PuIse beats and planets echo this,

the running down, the standing still,

all thunder of one thought.

The mind that speaks it is unfounded.

 

I speak of what is running down.

Of sun, of thunder bearing the rain,

I do not speak of the rising flame

Or the slow towering of the elm.

 

A comb was found in a girl’s grave

(ah, heartsblood raveled like a rope).

The visible way is always down

but there is no floor to the world.

 

Study this rhythm, not this thing.

The brush’s tip streams from the wrist

of a living man, a dying man.

The running water is the wrist.

 

In the confidence of the wrist

things and ideas ripple together,

as in the clear lake of the eye,

unfathomably, running remains.

 

The eye travels on running water,

out to the sky, if you let it go.

However often you call it back

it travels again, out to the sky.

 

The water that seemed to stand is gone.

The water that seemed to run is here.

Steady the wrist, steady the eyes;

paint this rhythm, not this thing.

 

Córrego na montanha

(Darice Machel McGuire: pintora norte-americana)

 

Pintando um Regato Montanhês

 

Correndo e parado ao mesmo tempo

é toda a verdade. Emaranhado ou arrumado,

enrugado ou liso, ele obtém sua força

da perda de força. Indo, permanece.

 

O pulso bate, e os planetas ecoam isso,

o correr, o permanecer,

tudo estrondo do único pensamento.

A mente que o pensa não tem fundamento.

 

Eu falo do que corre.

Do sol, do trovão conduzindo a chuva,

não falo da chama que se eleva

ou da lenta sobranceria do olmo.

 

Um pente foi achado na tumba de uma moça

(ah, sangue de corações enredado como uma corda).

A forma visível está sempre em baixo,

mas não há piso para o mundo.

 

Estuda este ritmo, não esta coisa.

A ponta do pincel flui do pulso

de um homem vivo, um homem agonizante.

A água corrente é o pulso.

 

Na confidência do pulso

as coisas e ideias rumorejam juntas,

como no lago claro do olho,

insondavelmente, o correr permanece.

 

O olho viaja em água corrente,

para o céu, se o deixas partir.

Por mais que o chames de volta,

ele viaja de novo, para o céu.

 

A água que parecia parada foi-se.

A água que parecia corrente aqui está.

Firma o pulso, firma o olho;

pinta este ritmo, não esta coisa.

 

Referência:

 

NEMEROV, Howard. Painting a mountain stream / Pintando um regato montanhês. Tradução de Marcos Santarrita. In: NEMEROV, Howard (Coordenação). Poesia como criação. Rio de Janeiro, GB: Edições GRD, 1968. Em inglês: p. 301-302; em português: p. 303-304.

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