O poeta mineiro lança
mão de uma espécie de metonímia para criar este espirituoso poema: não é que
esteja a refletir sobre a exposição de Baudelaire ao sol, em pessoa, senão de
um exemplar da mais famosa obra do autor francês – “As flores do mal”, que,
alojado em uma de suas estantes, ficou com a capa um tanto descorada diante da
não cogitada exposição a inclementes raios solares.
Assim, pergunta-se o
ente lírico, o que estaria Baudelaire – em “efígie gráfica” – fazendo na aridez
do sertão (norte de Minas ou no sertão nordestino adentro?), ou de outra forma –
em inflexão que consente até mesmo com um sentido mais literal ou denotativo
das palavras –, se “as flores do mal”, molestadas pelo sol “implacável”, lograriam
resistir “aos punhais do óxido e do sal” do terreno em que dispostas.
J.A.R. – H.C.
Carlos Ávila
(n. 1955)
Baudelaire sob o sol
o sol
(a ser adjetivado:
im-pla-cá-vel)
descorou a capa
de um volume de
baudelaire
as flores do mal
(descubro)
não resistem à lenta
violência do sol
(sol de
boca-de-sertão
que estorrica o
solo?)
também
quem mandou
colocar a estante
nesta posição:
o que estaria
baudelaire
(em efígie gráfica)
fazendo no sertão?
se as flores do mal
não suportam o sol
(répondez baudelaire)
resistiriam aos
punhais
do óxido e do sal?
Retrato de Charles
Baudelaire
(Gustave Courbet:
pintor francês)
Referência:
ÁVILA, Carlos.
Baudelaire sob o sol. In: DANIEL, Claudio; BARBOSA, Frederico (Organização,
seleção e notas). Na virada do século: poesia de invenção no Brasil. São
Paulo, SP: Landy, 2007. p. 91.
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