Neste rápido diálogo,
o companheiro da falante responde à observação desta, no sentido de que se encontra
“gorda”, contrapondo atributos que talvez até existam mesmo em sua amada, mas
que configuram o padrão que todas as mulheres esperam na réplica de um homem,
quer estejam gordas quer não.
Vá o companheiro afirmar à falante que, de fato, “precisa perder alguns quilos” – e estará instalado o inferno nessa relação! (rs). Mas a oradora percebe muito bem que “linda”, “maravilhosa”, “esplêndida” e “extraordinária” são qualidades que não são, pelo menos num plano imediato, mutuamente excludentes frente a se estar gorda, pois além de poderem se estender à têmpera ou à personalidade de alguém, não se deve descuidar de que há belas mulheres anafadas, como em algumas madonas de Rafael ou telas de Rubens – ou como a própria Amanda Lovelace!
Decerto para opor-se
à “gordofobia”, lembrei-me agora das esculturas de mulheres rechonchudas com que
se aparatou a praia de Ondina, em Salvador (BA): nos passantes que com elas
deparam, quase sempre se percebe um sorriso nos lábios – embora melhor não seja
levantar hipóteses sobre o que estejam pensando, pois poderá haver acerbos contrastes
com o perspicaz raciocínio não exteriorizado pela falante.
J.A.R. – H.C.
Amanda Lovelace
(n. 1991)
words like daggers
“i’m fat,”
i said,
“no,
you’re beautiful.
you’re
gorgeous.
stunning.
extraordinary,”
he
replied.
but
don’t you
understand
that
i can be all
of those things
at the same
time?
i thought
but didn’t say.
Nua na praia
(Fernando Botero: artista
colombiano)
palavras como punhais
“estou gorda”,
eu disse.
“não,
você está linda.
você é
maravilhosa,
esplêndida
extraordinária”,
ele
respondeu.
mas
será que
você não
entende que
posso ser todas
essas coisas
ao mesmo
tempo?
pensei
mas não disse.
Referências:
LOVELACE, Amanda. words
like daggers. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 jan. 2022.
LOVELACE, Amanda.
palavras como punhais. Tradução de Izabel Aleixo. In: __________. A bruxa
não vai para a fogueira neste livro. Tradução de Izabel Aleixo. Rio de
Janeiro, RJ: LeYa, 2018. p. 65. (‘As mulheres têm uma espécie de maga’)
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