O poeta chileno busca
imitar nestes versos não só a forma como se expressa o epigrafado heterônimo de
Fernando Pessoa (1888-1935) – versos longos, livres, expressivos –, como também
o lastro temático convulso, a experimentar certo cansaço ou tédio com as coisas,
estranhezas, hesitações, perplexidades, ou até mesmo debilidades nas
disposições de ânimo.
Há quem se entregue a
um estado de abatimento à época das viradas de ano, sentindo que necessita de
colocar em bons termos a vida, sem saber exatamente por onde dar início à imperativa
transformação, ou, como certa vez escutei, num comentário jocoso de um
radialista em conversa com uma ouvinte, paralisada por dúvidas atrozes: “Quer dizer
que você não sabe se casa ou se compra uma bicicleta?!”
Obviamente não há ‘trade-off’
entre se casar ou comprar uma bicicleta, a menos que, claro está, os limitados
recursos da ouvinte só coubessem no orçamento de uma das duas opções! (rs)
J.A.R. – H.C.
Cristián Gómez
Olivares
(n. 1971)
A la manera de Álvaro
de Campos
No estoy obligado a escuchar
a Frank Sinatra. Ni
a tomar hacia Sintra
por la misma carretera
ni a explicar la
razón de mis razones. No
hay quien pueda
decirnos cómo saludar
por las mañanas al
vecino, después de
haber hecho
comentarios mitad salaces y mal
intencionados sobre las
proporciones de la
cintura de su mujer.
No estoy obligado a
escuchar esas
canciones de Sinatra que a
menudo tocan en la
radio y sin embargo
recito de memoria
esas mismas canciones que alguien
escribió como si
hubiera estado pensando en
mi nombre. Como si
hubiera querido decirme
algo que a tantos
otros como a mí les cuesta
comprender y sin
embargo, y sin embargo:
no estoy obligado a
sacar mis maletas la
próxima noche de año
nuevo porque de
seguro no estoy
obligado a embarcarme ni
a casarme si así no
lo determinan las
estaciones: del metro
o del año da lo
mismo, de un tiempo a
esta parte me
dejo guiar por
ciertos augurios que amanecen
dibujados por la
mañana en los espejos
cuando busco en el
ejercicio de intentar
reconocerme saber
algo más no diría
de mí mismo, sino más
bien dese afán,
ese anhelo tantas
veces postergado de salir a
la calle con la firme
determinación de
no seguir contando
las baldosas de la
acera y cambiarme de
mano el maletín
cuantas veces me
parezca necesario.
En: “Como un ciego en
una habitación a oscuras” (2005)
Palácio Nacional de
Sintra
(Elena Petrova
Gancheva: artista búlgara)
À maneira de Álvaro
de Campos
Não estou obrigado a
escutar Frank Sinatra. Nem
a tomar a mesma
estrada para Sintra,
tampouco a explicar a
razão de minhas razões. Não
há quem nos possa
dizer como cumprimentar
o vizinho pelas
manhãs, depois de
haver feito
comentários meio salazes e mal
intencionados sobre
as proporções da
cintura de sua
mulher. Não estou obrigado a
escutar essas canções
de Sinatra que
amiúde tocam no rádio
e, no entanto,
recito de memória
essas mesmas canções que alguém
escreveu como se
houvesse estado a pensar em
meu nome. Como se
houvesse querido me dizer
algo que a tantos
outros, como eu, afigura-se difícil
compreender, e no
entanto, e no entanto:
não estou obrigado a
tirar minhas malas
na próxima noite de
ano novo, porque,
seguramente, não
estou obrigado a embarcar nem
a me casar se as
estações assim não
o determinam: pouco
importa se é o metrô
ou o ano, já há algum
tempo que me
deixo guiar por
certos augúrios que amanhecem
desenhados pela manhã
nos espelhos,
quando procuro, no
exercício de tentar
me reconhecer, saber
algo mais que não diria
de mim mesmo, mas em
vez desse afã,
aquele desejo tantas
vezes postergado de sair à
rua com a firme
determinação de
deixar de contar os ladrilhos
da
calçada e de mudar de
mão a minha pasta
quantas vezes me
pareça necessário.
Em: “Como um cego num
quarto às escuras” (2005)
Referência:
OLIVARES, Cristián
Gómez. A la manera de Álvaro de Campos. In: PARÍS, Daniel Saldaña (Selección y
Prólogo). Doce en punto: poesía chilena reciente (1971-1982). México,
D.F.: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012. p. 37-38. (Serie
‘Antologías’)
Com esse belo poema, na competente tradução de J. A. Rodrigues, Cristián Gómez OIivares dá o tom de qualidade de escolha do tradutor. Não conheço o autor da antologia, não conheço a antologia e não sabia desse ótimo poeta. Querendo ou não, estão devendo ao tradutor e ao BLOG, pela escolha e pela gratuita divulgação. Espero que o blog e deixem pelo menos um "muito obrigado". Belo Horizonte/MG, 28/JAN/2023. (Corrigindo).
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