Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Cristián Gómez Olivares - À maneira de Álvaro de Campos

O poeta chileno busca imitar nestes versos não só a forma como se expressa o epigrafado heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935) – versos longos, livres, expressivos –, como também o lastro temático convulso, a experimentar certo cansaço ou tédio com as coisas, estranhezas, hesitações, perplexidades, ou até mesmo debilidades nas disposições de ânimo.

 

Há quem se entregue a um estado de abatimento à época das viradas de ano, sentindo que necessita de colocar em bons termos a vida, sem saber exatamente por onde dar início à imperativa transformação, ou, como certa vez escutei, num comentário jocoso de um radialista em conversa com uma ouvinte, paralisada por dúvidas atrozes: “Quer dizer que você não sabe se casa ou se compra uma bicicleta?!”

 

Obviamente não há ‘trade-off’ entre se casar ou comprar uma bicicleta, a menos que, claro está, os limitados recursos da ouvinte só coubessem no orçamento de uma das duas opções! (rs)

 

J.A.R. – H.C.


Cristián Gómez Olivares

(n. 1971)

 

A la manera de Álvaro de Campos

 

No estoy obligado a escuchar a Frank Sinatra. Ni

a tomar hacia Sintra por la misma carretera

ni a explicar la razón de mis razones. No

hay quien pueda decirnos cómo saludar

por las mañanas al vecino, después de

 

haber hecho comentarios mitad salaces y mal

intencionados sobre las proporciones de la

cintura de su mujer. No estoy obligado a

escuchar esas canciones de Sinatra que a

menudo tocan en la radio y sin embargo

 

recito de memoria esas mismas canciones que alguien

escribió como si hubiera estado pensando en

mi nombre. Como si hubiera querido decirme

algo que a tantos otros como a mí les cuesta

comprender y sin embargo, y sin embargo:

 

no estoy obligado a sacar mis maletas la

próxima noche de año nuevo porque de

seguro no estoy obligado a embarcarme ni

a casarme si así no lo determinan las

estaciones: del metro o del año da lo

mismo, de un tiempo a esta parte me

dejo guiar por ciertos augurios que amanecen

dibujados por la mañana en los espejos

cuando busco en el ejercicio de intentar

reconocerme saber algo más no diría

 

de mí mismo, sino más bien dese afán,

ese anhelo tantas veces postergado de salir a

la calle con la firme determinación de

no seguir contando las baldosas de la

acera y cambiarme de mano el maletín

 

cuantas veces me parezca necesario.

 

En: “Como un ciego en una habitación a oscuras” (2005)

 

Palácio Nacional de Sintra

(Elena Petrova Gancheva: artista búlgara)

 

À maneira de Álvaro de Campos

 

Não estou obrigado a escutar Frank Sinatra. Nem

a tomar a mesma estrada para Sintra,

tampouco a explicar a razão de minhas razões. Não

há quem nos possa dizer como cumprimentar

o vizinho pelas manhãs, depois de

 

haver feito comentários meio salazes e mal

intencionados sobre as proporções da

cintura de sua mulher. Não estou obrigado a

escutar essas canções de Sinatra que

amiúde tocam no rádio e, no entanto,

 

recito de memória essas mesmas canções que alguém

escreveu como se houvesse estado a pensar em

meu nome. Como se houvesse querido me dizer

algo que a tantos outros, como eu, afigura-se difícil

compreender, e no entanto, e no entanto:

 

não estou obrigado a tirar minhas malas

na próxima noite de ano novo, porque,

seguramente, não estou obrigado a embarcar nem

a me casar se as estações assim não

o determinam: pouco importa se é o metrô

ou o ano, já há algum tempo que me

deixo guiar por certos augúrios que amanhecem

desenhados pela manhã nos espelhos,

quando procuro, no exercício de tentar

me reconhecer, saber algo mais que não diria

 

de mim mesmo, mas em vez desse afã,

aquele desejo tantas vezes postergado de sair à

rua com a firme determinação de

deixar de contar os ladrilhos da

calçada e de mudar de mão a minha pasta

 

quantas vezes me pareça necessário.

 

Em: “Como um cego num quarto às escuras” (2005)

 

Referência:

 

OLIVARES, Cristián Gómez. A la manera de Álvaro de Campos. In: PARÍS, Daniel Saldaña (Selección y Prólogo). Doce en punto: poesía chilena reciente (1971-1982). México, D.F.: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012. p. 37-38. (Serie ‘Antologías’)


Um comentário:

  1. Com esse belo poema, na competente tradução de J. A. Rodrigues, Cristián Gómez OIivares dá o tom de qualidade de escolha do tradutor. Não conheço o autor da antologia, não conheço a antologia e não sabia desse ótimo poeta. Querendo ou não, estão devendo ao tradutor e ao BLOG, pela escolha e pela gratuita divulgação. Espero que o blog e deixem pelo menos um "muito obrigado". Belo Horizonte/MG, 28/JAN/2023. (Corrigindo).

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