Preliminarmente, há de
se observar que a tradução ao português do poema abaixo de Heine, elaborada por
Drummond, deu-se, aparentemente, a partir de sua versão ao francês, a julgar
pelo que consta na referência mencionada ao final desta postagem. Nada obstante,
o soneto no idioma em que redigido de início – o alemão – vai aqui também
transcrito, para eventuais cotejos.
Vivendo em situação de
ponta-cabeça neste mundo – uma autêntica “câmara de tortura” –, o falante diz
ter recebido um “golpe de misericórdia com um martelo de ouro”, desferido por
uma jovem que o vê a gemer, se contorcendo, com a “língua do lado de fora”, “sangrando”
e “com sede”. E perante tais estertores, ela pouco se importa: queda-se ali
zombeteira, com um frio sorriso.
Obviamente que a
situação descrita pelo ente lírico não é literal, senão perceptivelmente alegórica:
o seu coração carente pode estar definhando, em solidão talvez, mas isso não é
o suficiente para despertar os sentimentos da garota, que logo o desencaminha
de seus intentos.
J.A.R. – H.C.
Heinrich Heine
(1797-1856)
Detalhe de litografia
de Eduard Kaiser
Fresko-Sonett an
Christian S.
Die Welt war mir nur
eine Marterkammer,
Wo man mich bei den
Füßen aufgehangen
Und mir gezwickt den
Leib mit glühnden Zangen
Und eingeklemmt in
enger Eisenklammer.
Wild schrie ich auf
vor namenlosem Jammer,
Blutströme mir aus
Mund und Augen sprangen, –
Da gab ein Mägdlein,
das vorbeigegangen,
Mir schnell den
Gnadenstoß mit goldnem Hammer.
Neugierig sieht sie
zu, wie mir im Krampfe
Die Glieder zucken, wie
im Todeskampfe
Die Zung aus blutgem
Munde hängt und lechzet.
Neugierig horcht sie,
wie mein Herz noch ächzet,
Musik ist ihr mein
letztes Todesröcheln,
Und spottend steht
sie da mit kaltem Lächeln.
O sorriso de uma moça
(Maria K. Bashkirtseva:
artista ucraniana)
Sonnet-Fresque a
Christian S.
Le monde ne fut pour
moi qu’une chambre de torture,
Où l’on m’a suspendu
par les pieds,
Où l’on me lacéra le
corps avec des tenailles rougies,
Où l’on m’enserra
dans d’étroits crampons de fer.
J’ai crié sauvagement
dans ma détresse indicible;
Des flots de sang ont
giclê de ma bouche et de mês yeux
Quand une jeune fille
vint à passer, et promptement
Me donna le coupe de
grâce, avec son marteau d’or.
Elle regarde avec curiosité
mes mebres palpitants
Se contracter de
douleur, et ma langue haletante,
Dans l’agonie, pendre
de ma bouche en sang.
Elle écoute avec
curiosité les gémissements de mon coeur,
Mon dernier râle est
pour ele une mélodie,
Et ele reste là, narquoise,
avec son sourire glacê.
Jovem sorrindo
(Simon Hollósy:
pintor húngaro)
A Cristiano S.
O mundo me foi sala
de tortura
em que me suspenderam
pelos pés,
com tenazes vermelhas
me queimaram
e com grampos de
ferro me prenderam.
Gritei desesperado em
minha angústia;
sangue esguichou dos
lábios e das órbitas.
Nisto uma jovem passa
e vibra o golpe
de piedade, com seu
martelo de ouro.
E vê, curiosa, a
carne palpitante
contrair-se de dor, e
a língua ansiada
na agonia pender da
boca em sangue.
E, curiosa, ela
escuta os meus gemidos
e a melodia do final
arquejo...
Num sorriso glacial,
parada, irônica.
Referências:
Em Alemão
HEINE, Heinrich. Fresko-sonett
an Christian S. Disponível neste
endereço. Acesso em: 12 jan. 2023.
Em Francês e em
Português
HEINE, Heinrich. Sonnet-fresque
a Christian S. / A Cristiano S. Tradução de Carlos Drummond de Andrade. In:
ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia Traduzida. Edição bilíngue. Organização
e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães. São Paulo, SP: 7Letras;
Cosac Naify, 2011. Em francês: p. 180; em português: p. 181. (Coleção ‘Ás de
Colete’; n. 20)
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