Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Heinrich Heine - A Cristiano S.

Preliminarmente, há de se observar que a tradução ao português do poema abaixo de Heine, elaborada por Drummond, deu-se, aparentemente, a partir de sua versão ao francês, a julgar pelo que consta na referência mencionada ao final desta postagem. Nada obstante, o soneto no idioma em que redigido de início – o alemão – vai aqui também transcrito, para eventuais cotejos.

 

Vivendo em situação de ponta-cabeça neste mundo – uma autêntica “câmara de tortura” –, o falante diz ter recebido um “golpe de misericórdia com um martelo de ouro”, desferido por uma jovem que o vê a gemer, se contorcendo, com a “língua do lado de fora”, “sangrando” e “com sede”. E perante tais estertores, ela pouco se importa: queda-se ali zombeteira, com um frio sorriso.

 

Obviamente que a situação descrita pelo ente lírico não é literal, senão perceptivelmente alegórica: o seu coração carente pode estar definhando, em solidão talvez, mas isso não é o suficiente para despertar os sentimentos da garota, que logo o desencaminha de seus intentos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Heinrich Heine

(1797-1856)

Detalhe de litografia de Eduard Kaiser

 

Fresko-Sonett an Christian S.

 

Die Welt war mir nur eine Marterkammer,

Wo man mich bei den Füßen aufgehangen

Und mir gezwickt den Leib mit glühnden Zangen

Und eingeklemmt in enger Eisenklammer.

 

Wild schrie ich auf vor namenlosem Jammer,

Blutströme mir aus Mund und Augen sprangen, –

Da gab ein Mägdlein, das vorbeigegangen,

Mir schnell den Gnadenstoß mit goldnem Hammer.

 

Neugierig sieht sie zu, wie mir im Krampfe

Die Glieder zucken, wie im Todeskampfe

Die Zung aus blutgem Munde hängt und lechzet.

 

Neugierig horcht sie, wie mein Herz noch ächzet,

Musik ist ihr mein letztes Todesröcheln,

Und spottend steht sie da mit kaltem Lächeln.

 

O sorriso de uma moça

(Maria K. Bashkirtseva: artista ucraniana)

 

Sonnet-Fresque a Christian S.

 

Le monde ne fut pour moi qu’une chambre de torture,

Où l’on m’a suspendu par les pieds,

Où l’on me lacéra le corps avec des tenailles rougies,

Où l’on m’enserra dans d’étroits crampons de fer.

 

J’ai crié sauvagement dans ma détresse indicible;

Des flots de sang ont giclê de ma bouche et de mês yeux

Quand une jeune fille vint à passer, et promptement

Me donna le coupe de grâce, avec son marteau d’or.

 

Elle regarde avec curiosité mes mebres palpitants

Se contracter de douleur, et ma langue haletante,

Dans l’agonie, pendre de ma bouche en sang.

 

Elle écoute avec curiosité les gémissements de mon coeur,

Mon dernier râle est pour ele une mélodie,

Et ele reste là, narquoise, avec son sourire glacê.

 

Jovem sorrindo

(Simon Hollósy: pintor húngaro)

 

A Cristiano S.

 

O mundo me foi sala de tortura

em que me suspenderam pelos pés,

com tenazes vermelhas me queimaram

e com grampos de ferro me prenderam.

 

Gritei desesperado em minha angústia;

sangue esguichou dos lábios e das órbitas.

Nisto uma jovem passa e vibra o golpe

de piedade, com seu martelo de ouro.

 

E vê, curiosa, a carne palpitante

contrair-se de dor, e a língua ansiada

na agonia pender da boca em sangue.

 

E, curiosa, ela escuta os meus gemidos

e a melodia do final arquejo...

Num sorriso glacial, parada, irônica.

 

Referências:

 

Em Alemão

 

HEINE, Heinrich. Fresko-sonett an Christian S. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 jan. 2023.

 

Em Francês e em Português

 

HEINE, Heinrich. Sonnet-fresque a Christian S. / A Cristiano S. Tradução de Carlos Drummond de Andrade. In: ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia Traduzida. Edição bilíngue. Organização e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães. São Paulo, SP: 7Letras; Cosac Naify, 2011. Em francês: p. 180; em português: p. 181. (Coleção ‘Ás de Colete’; n. 20)

Nenhum comentário:

Postar um comentário