Há mais ou menos uma década e meia, achava-se o diplomata e poeta brasileiro em Lisboa (PT), durante a virada do ano novo, a contemplar, entristecido, as águas do Tejo, ponderando que aquele deveria ser um dia como outro qualquer, mas que acaba por nos atingir emocionalmente a todos, haja vista o protocolo e o peso que a ele se atribuem, diante da expectativa de que eventos auspiciosos venham a ocorrer nos próximos 365 dias, ou que, pelo menos, não sejam fomentadores de temores ou de sobressaltos.
Mas nada que o clarão dos fogos de artifícios não seja capaz de iluminar, tanto externamente – como os barcos à beira do rio – quanto intimamente, forjando uma “súbita aurora” e levando o vate a esquecer momentaneamente, imagina-se, a sua Fortaleza (CE) natal (como Dias a capital maranhense, estando em Coimbra (PT), longe de sua terra pejada de palmeiras e sabiás).
J.A.R. – H.C.
Márcio Catunda Gomes
(n. 1957)
31 de Dezembro de 2005
O último dia do ano deveria ser um dia
como outro qualquer.
Sem temores, sem sobressaltos.
Mas entristeci de pensar.
A canalha assovia, a sirene passa
e eu me deito sobre os meus 48 anos.
Da varanda vejo o Tejo,
a noite abriu-se como por encanto.
Há bulício nas casas e nas ruas.
Holofotes e estrelas anunciam
e eu desentristeço de expectativa.
Os barcos são candeias na fragrância das águas.
A meia-noite acende os formidáveis fogos.
As auras fosfóreas produzem súbita aurora.
É já manhã na face lisa do Tejo.
Em: “Água Lustral” (1998)
Meditações: pôr do sol sobre o rio Tejo II
(Silvana LaCreta Ravena: pintora paulista)
Referência:
GOMES, Márcio Catunda. 31 de dezembro
de 2005. In: __________. Plenitude visionária: poemas selecionados.
Lisboa, PT: Companhia das Musas, 2007. p. 16.
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