Nesta “paisagem” matinal do poeta e tradutor capixaba tem-se a confrontação de situações fáticas assentes em polos opostos, alternativos para o ente lírico, que se pergunta a quem deve direcionar o seu costumeiro bom-dia: ora bem, de um lado, descritivos associados aos aquinhoados pela sorte e, do outro, à ampla maioria daqueles que labutam e labutam, para pouco ir mais além do que se manterem vivos.
Na sociedade brasileira, ainda hoje há notórios remanescentes do que o polímata pernambucano Gilberto Freyre assinalou em “Casa Grande & Senzala” (1933), a saber, no âmbito da servidão, a díade senhor e escravo, depois o usineiro (ou pelo quase sempre oculto capitalista) e o pária de usina, e mais recentemente, o grande capitalista e a majoritária massa de recursos humanos, no mais das vezes com limitada qualificação. Resultado: ampla concentração de renda, tornando o país o nono país mais desigual do mundo (dados de 2019), com negros e mulheres em pior situação.
J.A.R. – H.C.
Geir Campos
(1924-1999)
Matinal
Bom-dia, a quem dedicá-lo?
Ao que canta antes do galo
ou ao que tarda na cama?
A quem fartos ubres mama
ou a quem dão café ralo?
Ao que bebe no gargalo
ou ao que a adega vigia?
Ao moço da estrebaria
ou ao dono do cavalo?
A quem folga no intervalo
ou a quem o manda tocar?
Ao que jejua no mar
ou ao que ceia o robalo?
A quem lhe aumenta o regalo
ou a quem tudo lhe falta?
Ao rei da renda, mais alta
ou ao mais puro vassalo?
Bom-dia, vindo, a quem dá-lo?
Matina
(Saulo Pfeiffer: artista paranaense)
Referência:
CAMPOS, Geir. Matinal. In: CAMPOS,
Milton de Godoy (Ed.). Antologia poética da geração de 45. 1ª série. São
Paulo, SP: Clube de Poesia, 1966. p. 132.
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