O poeta aqui nos fala, mais que de um ano no transmutar de datas, de um ano entre paisagens tropicais de sua Venezuela natal, com versos repletos de imagens que lembram a natureza cálida e úmida da região – mangueiras, bananeiras, abacaxis, cafés, cacaus, bambuzais, girassóis, vespas, cigarras, escaravelhos etc. –, em mirada que se imagina do próprio ente lírico quando criança, a folgar pelas ruas arenosas de uma aldeia ou vila de seu país.
O olhar se mostra terno mesmo à vista de realidades que não seriam adjetiváveis, apropriadamente, como arrebatadoras por terceiros que as vislumbrassem. Pouco se lhe dá, o que importa é o que lhe vai no espírito, ou melhor, inscrito e indelevelmente reinterpretado na memória, já incorporado à própria realidade do ser: somos parte inarredável da terra que nos viu nascer!
J.A.R. – H.C.
Vicente Gerbasi
(1913-1992)
Año Terrestre
a Rafael José Muñoz
En la contemplación crecen los girasoles,
los muros son un blanco silencio de cal,
un silencio de sol que mueve avispas lentas.
Y uno tras otro, los balaústres de las ventanas
hacen la calle, ordenan los aleros, las breves
sombras,
las puertas verdes de la soledad.
Esta es mi vieja calle donde se comercia café y
cacao,
donde volamos grandes cometas de colores
como aves que perdieron un paraíso.
Calle de puro deslumbramiento en la arena,
donde los perros persiguen un gallo
en el desolado mediodía.
Y ahí cerca, la sombra de un ancho tamarindo,
la frescura que detiene el tiempo bajo los nidos,
que detiene la memória en un rumbo de blancas nubes
más allá de la torre de la iglesia,
sola en el ámbito de mi edad.
Un anciano duerme en un banco de la plaza
rodeado de bellos animales.
Los ninos están todos en la pequena escuela
de mapas manchados por las goteras,
y se oye el nombre de las letras
como amuletos, como almendras de palmeras,
como piedras azules pulidas por el río.
Y desde el fondo de los bambúes
las mujeres traen canastas de ropa limpia
que tíenden entre naranjos para que la mueva el
viento
de las tres de la tarde.
¿Y qué hacer en medio de esta lamentación de aves
ocultas en la fronda?
¿Iremos entre las resplandedentes hojas de plátano
donde se desnudan las mujeres?
En el césped nos muerden hormigas rojas,
y entre las ramas descubrimos las rosas-de-montaña
como astros nuevos cubiertos de coleópteros. (1)
Desde la orilla de los helechos miramos el mundo
con su colina verde que reúne a los cazadores.
Esperan el sol-de-los-venados,
cuando las aguas del río se tiñen de arcoiris,
y una llovizna con sol
da a los árboles fulgores de vidrio.
Y así vemos el año, y el año pasado, y los años de
la infancia,
nacer día a día con las últimas estrellas entre los
mangos,
suspendidos en el cielo como diferentes astros de
luz pálida.
Los días que se inician entre las cabezas de las
vacas,
en una penumbra de moscas.
Los día que se inician en las negras cocinas con
olor a café.
Los días que se inician entre mujeres
que van a buscar agua en vasijas de tierra morada.
Los días que se inician contemplando los dibujos de
los silabarios.
Los días que se inician enrollando una zaranda. (2)
Los días que se inician mirando gatos recién
nacidos.
Los días que se inician abriendo las puertas de las
pulperías
olorosas a tabaco de mascar y a piñas maduras.
Los días que se inician después de oscuras lluvias,
cuando el río crecido arrastra carameras. (3)
El día, el día igual en sus palmeras solares,
en espacios de lagartijas,
en los nombres de las casas de comercio,
en d viejo Cristóbal que peina su barba blanca
para que la mueva una brisa de cigarras,
en el maestro de escuela que sale con sus alumnos
a hablar de las malangas.
¿Cuándo se inició este año?
¿Cuando pasaron los Rey es Magos
bajo el estrellado cielo de la aldea?
Recuerdo ahora los desnudos árboles de totumo,
con sus redondos frutos, como grandes árboles de
Navidad.
Los iluminaba el crepúsculo y así llegaban las
fiestas,
y después de las fiestas, silenciosas tardes de
tristeza,
cuando me quedaba mirando las arañas
en ciertos oscuros rincones de mi casa.
Así es el año, como una clara tarde del corazón
como la calle donde se comercia café y cacao,
como las afueras de la aldea,
donde la soisola (3) canta allá por las arboledas.
En: “Por Arte del Sol” (1958)
A Clareira
(Sky Glabush: artista canadense)
Ano Terrestre
a Rafael José Muñoz
Os girassóis crescem sob a contemplação,
as paredes são um silêncio caiado de branco,
um silêncio de sol a mover lentas vespas.
E um após outro, os balaústres das janelas
delineiam a rua, ordenam os beirais, as breves
sombras,
as portas verdes da solidão.
Esta é minha velha rua onde se negociam café e
cacau,
onde empinamos grande pipas coloridas,
como pássaros que perderam um paraíso.
Rua arenosa de brilho puro e ofuscante,
onde os cães perseguem um galo
na desolação do meio-dia.
E ali próximo, a sombra de um grande tamarindo,
o frescor que detém o tempo sob os ninhos,
que detém a memória num rumo de brancas nuvens
além da torre da igreja,
sozinha no âmbito da minha idade.
Um ancião dorme em um banco da praça,
rodeado por belos animais.
As crianças estão todas na pequena escola
de mapas manchados pelas goteiras,
e pode-se ouvir o nome das letras
como amuletos, como amêndoas de palmeiras,
como pedras azuis polidas pelo rio.
E do meio dos bambus
as mulheres trazem cestos de roupa limpa
que estendem entre laranjeiras para serem agitadas
pelo vento
das três da tarde.
E o que fazer em meio a esse lamento de pássaros
escondidos na fronde?
Devemos ir por entre as resplandecentes folhas de
bananeira
onde as mulheres se despem?
Sobre a relva, formigas vermelhas nos mordem,
e entre os ramos descobrimos as rosas de montanha
como novos astros cobertos de coleópteros.
Do linde das samambaias divisamos o mundo
com sua colina verde a reunir os caçadores.
Esperam pelo sol dos veados,
quando as águas do rio se tingem de arco-íris,
e uma garoa com sol
dá às árvores fulgores de vidro.
E assim vemos o ano, e o ano passado, e os anos da
infância,
nascendo dia a dia com as últimas estrelas entre as
mangueiras,
suspensos no céu como diferentes astros de luz
pálida.
Os dias que se iniciam entre as cabeças das vacas,
numa penumbra de moscas.
Os dias que se iniciam nas negras cozinhas
cheirando a café.
Os dias que se iniciam entre mulheres
que vão buscar água em bilhas de terra roxa.
Os dias que se iniciam contemplando os desenhos dos
silabários.
Os dias que se iniciam enrolando a fieira numa piorra.
Os dias que se iniciam olhando gatos
recém-nascidos.
Os dias que se iniciam abrindo as portas das
mercearias
cheirando a tabaco de mascar e a abacaxis maduros.
Os dias que se iniciam depois de chuvas escuras,
quando o rio transbordante arrasta galharias.
O dia, o mesmo dia em suas palmeiras solares,
em espaços de lagartixas,
nos nomes das casas comerciais,
no velho Cristóbal que penteia sua barba branca
para ser movida por uma brisa de cigarras,
no professor da escola que sai com seus alunos
para falar das taiobas.
Quando se iniciou este ano?
Quando os Reis Magos passaram
sob o estrelado céu da aldeia?
Recordo-me agora das despidas árvores de cabaça,
com seus frutos redondos, como grandes árvores de
Natal.
O crepúsculo as iluminava e assim chegavam as
festas
e, depois das festas, silenciosas tardes de
tristeza,
quando ficava quieto a olhar as aranhas
em certos cantos escuros da minha casa.
Assim é o ano, como uma clara tarde do coração,
como a rua onde se negociam café e cacau,
como os arrabaldes da aldeia,
onde o inhambu canta lá pelos arvoredos.
Em: “Por Arte do Sol” (1958)
Notas:
(1). Coleópteros: ordem de insetos a compor-se de besouros, joaninhas, escaravelhos, gorgulhos etc.
(2). Zaranda: A rigor, trata-se de um petrecho utilizado, na Venezuela, no tradicional jogo de mesmo nome; para mais informações, sugere-se a leitura do material contido neste endereço.
(3). Carameras: Pilhas de árvores, galhos, detritos vegetais etc., transportadas pelas águas de um rio ou canal, podendo se converter em barreira a obstruir-lhes o curso.
Referência:
GERBASI, Vicente. Año terrestre. In:
__________. Obra poética. Prólogo de Francisco Pérez Perdomo. Cronología
y bibliografía por Eli Galindo. Caracas, VE: Biblioteca Ayacucho, jul. 1986. p.
151-153. (‘Biblioteca Ayacucho’; v. CXXII)
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