Com alusões à música erudita, quiçá a algo que se pareça a uma fuga ou a uma sinfonia de adeus, estes versos de Brodsky externam a ideia de partida, separação de uma pessoa querida – pela dedicatória, decerto a inglesa Elizabeth Robson (E. R.), de quem Brodsky era amigo, durante seus estudos de pós-graduação em Leningrado (1967-1969) e com quem se comunicara em suas visitas subsequentes à antiga URSS – do passado, do antigo remanso e, no geral, do torrão natal.
Trata-se de um poema bem mais a evocar uma relação próxima – íntima, se não for descomedimento – do ente lírico com E. R., do que, propriamente, metatexto sobre fatos narrados nos Evangelhos, mesmo a despeito, por conseguinte, do recurso à expressão “Estrela dos Reis”, que nele surge, sem dúvida, para demarcar o período natalino em que se passa o sucedido entre os dois.
J.A.R. – H.C.
Joseph Brodsky
(1940-1996)
Второе Рождество на берегу
Э. Р.
Второе Рождество на берегу
незамерзающего Понта.
Звезда Царей над изгородью порта.
И не могу сказать, что не могу
жить без тебя – поскольку я живу.
Как видно из бумаги. Существую;
глотаю пиво, пачкаю листву и
топчу траву.
Теперь в кофейне, из которой мы,
как и пристало временно счастливым,
беззвучным были выброшены взрывом
в грядущее, под натиском зимы
бежав на Юг, я пальцами черчу
твое лицо на мраморе для бедных;
поодаль нимфы прыгают, на бедрах
задрав парчу.
Что, боги, – если бурое пятно
в окне символизирует вас, боги, –
стремились вы нам высказать в итоге?
Грядущее настало, и оно
переносимо; падает предмет,
скрипач выходит, музыка не длится,
и море все морщинистей, и лица.
А ветра нет.
Когда-нибудь оно, а не – увы –
мы, захлестнет решетку променада
и двинется под возгласы “не надо”,
вздымая гребни выше головы,
туда, где ты пила свое вино,
спала в саду, просушивала блузку,
– круша столы, грядущему моллюску
готовя дно.
Ялта, январь 1971
Sol de inverno em Līči,
perto do lago Juglas (Letônia)
(Edgars Vinters: pintor letão)
O segundo Natal à beira
para E. R.
O segundo Natal à beira
do não enregelável Ponto.
A estrela dos Reis nos cais do porto.
Não posso dizer que não consigo
viver sem ti – pois vivo.
Conforme a página diz. Existo,
engulo a birra, conspurco a folha,
piso na grama.
Agora do café, de onde nós, contentes
como convinha, temporariamente,
fomos jogados, por explosão silente,
no futuro, sob o assalto do inverno,
rumo ao Sul; com os dedos desenho
teu rosto no mármore para os desprovidos;
as ninfas na distância saltitam
erguendo brocados nos quadris.
O que, deuses – se uma mancha escura
à janela vos simboliza, deuses –
tentastes nos dizer, em suma?
O futuro chegou, e ele
é suportável; cai um objeto,
o violinista sai, a música não dura,
o mar cada vez mais enrugado, e os rostos.
Mas não há vento.
Será ele e não nós – infelizmente – um dia
a transbordar sobre o gradil da caminhada
e avançar atropelando os “é interdito”,
erguendo crista sobre a testa,
lá onde tu o vinho bebias,
secavas a blusa e dormias no jardim
– destroçando as mesinhas, e ao molusco do futuro
preparando o fundo.
Ialta, janeiro de 1971
Referência:
BRODSKY, Joseph. Второе Рождество на берегу / O segundo Natal à
beira. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. In:
__________. Poemas de Natal. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini.
Edição bilíngue. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Editora Âyiné, nov. 2019. Em russo:
p. 62 e 64; em português: p. 63 e 65.
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