Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Joseph Brodsky - O segundo Natal à beira

Com alusões à música erudita, quiçá a algo que se pareça a uma fuga ou a uma sinfonia de adeus, estes versos de Brodsky externam a ideia de partida, separação de uma pessoa querida – pela dedicatória, decerto a inglesa Elizabeth Robson (E. R.), de quem Brodsky era amigo, durante seus estudos de pós-graduação em Leningrado (1967-1969) e com quem se comunicara em suas visitas subsequentes à antiga URSS – do passado, do antigo remanso e, no geral, do torrão natal.

Trata-se de um poema bem mais a evocar uma relação próxima – íntima, se não for descomedimento – do ente lírico com E. R., do que, propriamente, metatexto sobre fatos narrados nos Evangelhos, mesmo a despeito, por conseguinte, do recurso à expressão “Estrela dos Reis”, que nele surge, sem dúvida, para demarcar o período natalino em que se passa o sucedido entre os dois.

J.A.R. – H.C.

 

Joseph Brodsky

(1940-1996)

 

Второе Рождество на берегу

 

Э. Р.

 

Второе Рождество на берегу

незамерзающего Понта.

Звезда Царей над изгородью порта.

И не могу сказать, что не могу

жить без тебяпоскольку я живу.

Как видно из бумаги. Существую;

глотаю пиво, пачкаю листву и

топчу траву.

 

Теперь в кофейне, из которой мы,

как и пристало временно счастливым,

беззвучным были выброшены взрывом

в грядущее, под натиском зимы

бежав на Юг, я пальцами черчу

твое лицо на мраморе для бедных;

поодаль нимфы прыгают, на бедрах

задрав парчу.

 

Что, боги, – если бурое пятно

в окне символизирует вас, боги, –

стремились вы нам высказать в итоге?

Грядущее настало, и оно

переносимо; падает предмет,

скрипач выходит, музыка не длится,

и море все морщинистей, и лица.

А ветра нет.

 

Когда-нибудь оно, а неувы

мы, захлестнет решетку променада

и двинется под возгласыне надо”,

вздымая гребни выше головы,

туда, где ты пила свое вино,

спала в саду, просушивала блузку,

круша столы, грядущему моллюску

готовя дно.

 

Ялта, январь 1971

 

Sol de inverno em Līči,

perto do lago Juglas (Letônia)

(Edgars Vinters: pintor letão)

 

O segundo Natal à beira

 

para E. R.

 

O segundo Natal à beira

do não enregelável Ponto.

A estrela dos Reis nos cais do porto.

Não posso dizer que não consigo

viver sem ti – pois vivo.

Conforme a página diz. Existo,

engulo a birra, conspurco a folha,

piso na grama.

 

Agora do café, de onde nós, contentes

como convinha, temporariamente,

fomos jogados, por explosão silente,

no futuro, sob o assalto do inverno,

rumo ao Sul; com os dedos desenho

teu rosto no mármore para os desprovidos;

as ninfas na distância saltitam

erguendo brocados nos quadris.

 

O que, deuses – se uma mancha escura

à janela vos simboliza, deuses –

tentastes nos dizer, em suma?

O futuro chegou, e ele

é suportável; cai um objeto,

o violinista sai, a música não dura,

o mar cada vez mais enrugado, e os rostos.

Mas não há vento.

 

Será ele e não nós – infelizmente – um dia

a transbordar sobre o gradil da caminhada

e avançar atropelando os “é interdito”,

erguendo crista sobre a testa,

lá onde tu o vinho bebias,

secavas a blusa e dormias no jardim

– destroçando as mesinhas, e ao molusco do futuro

preparando o fundo.

 

Ialta, janeiro de 1971


Referência:

BRODSKY, Joseph. Второе Рождество на берегу / O segundo Natal à beira. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. In: __________. Poemas de Natal. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini. Edição bilíngue. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Editora Âyiné, nov. 2019. Em russo: p. 62 e 64; em português: p. 63 e 65.

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