Levi, bem associável ao falante do poema, expõe a sua própria ansiedade diante da perda de tempo e do esvair-se de suas memórias: o rato em seu estúdio simboliza a sua própria consciência, a importuná-lo para que saia da zona de conforto e dê continuidade ao seu trabalho, seguindo em frente em sua missão de nos legar o que apreendeu do convívio com os homens.
É a gênese da obra de uma vida, por meio da palavra, que está em jogo – e nem se precisa de um rato inoportuno a proferir clichês acerca do muito que há por se fazer e o pouco tempo de que se dispõe. Afinal, Levi era um homem embrenhado nas ciências, como a Química e a Física, nas quais a variável “tempo” está presente em muitas de suas modelagens: por que, então, a pretensão de se ensinar orações a um sacerdote?!
J.A.R. – H.C.
Primo Levi
(1919-1987)
È entrato un topo, da non so che buco;
Non silenzioso, come è loro solito,
Ma presuntuoso, arrogante e bombastico.
Era loquace, concettoso, equestre:
S’è arrampicato in cima allo scaffale
E mi ha fatto una predica
Citandomi Plutarco, Nietzsche e Dante:
Che non devo perdere tempo,
Bla bla, che il tempo stringe,
E che il tempo perduto non ritorna,
E che il tempo è denaro,
E che chi ha tempo non aspetti tempo
Perché la vita è breve e l’arte è lunga,
E che sente avventarsi alle mie spalle
Non so che carro alato e falcato.
Che sfacciataggine! Che sicumera!
Mi faceva venire il latte ai gomiti.
Forse che un topo sa che cosa è il tempo?
È lui che me lo sta facendo perdere
Con la sua ramanzina facciatosta.
È un topo? Vada a predicare ai topi.
L’ho pregato di togliersi di torno:
Che cosa è il tempo, io lo so benissimo,
Entra in molte equazioni della fisica,
In vari casi perfino al quadrato
O con un esponente negativo.
Ai casi miei provvedo da me stesso,
Non ho bisogno dell’altrui governo:
Prima caritas incipit ab ego.
(15 gennaio 1983)
A velha fábula do rato
(Margaryta Verkhovets: artista polonesa)
Um rato
Um rato entrou, não sei de que buraco;
Não silencioso, como é seu hábito,
Mas presunçoso, arrogante e bombástico.
Era loquaz, rebuscado, equestre:
Empoleirou-se em cima da prateleira
E me fez um sermão
Citando Plutarco, Nietzsche e Dante:
Que eu não devo perder tempo,
Blá-blá-blá, que o tempo urge,
E que o tempo perdido não retorna,
E que tempo é dinheiro,
E que quem tem tempo que o aproveite,
Porque a vida é breve e a arte é longa,
E que sente lançar-se às minhas costas
Não sei que carro alado e falcado.
Que petulância! Quanta baboseira!
Era de me torrar a paciência.
Acaso um rato sabe o que é o tempo?
Logo ele, que está gastando o meu
Com essa lenga-lenga descarada.
É um rato? Que vá pregar aos ratos.
Pedi-lhe que saísse do recinto:
O que é o tempo, eu sei perfeitamente.
Entra em muitas equações da física.
Em vários casos até ao quadrado
Ou com um expoente negativo.
E de meus casos quem cuida sou eu,
Não necessito de governo alheio:
Prima caritas incipit ab ego. (*)
(15 de janeiro de 1983)
Nota do Tradutor:
(*). Ditado latino: “A primeira caridade (ou o primeiro amor) começa por mim”. (LEVI, 2019, p. 97)
Referência:
LEVI, Primo. Un topo / Um rato. Tradução
de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos.
Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo,
SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 94 e 96; em português: p. 95 e 97.
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