Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Primo Levi - Um rato

Levi, bem associável ao falante do poema, expõe a sua própria ansiedade diante da perda de tempo e do esvair-se de suas memórias: o rato em seu estúdio simboliza a sua própria consciência, a importuná-lo para que saia da zona de conforto e dê continuidade ao seu trabalho, seguindo em frente em sua missão de nos legar o que apreendeu do convívio com os homens.

É a gênese da obra de uma vida, por meio da palavra, que está em jogo – e nem se precisa de um rato inoportuno a proferir clichês acerca do muito que há por se fazer e o pouco tempo de que se dispõe. Afinal, Levi era um homem embrenhado nas ciências, como a Química e a Física, nas quais a variável “tempo” está presente em muitas de suas modelagens: por que, então, a pretensão de se ensinar orações a um sacerdote?!

J.A.R. – H.C.

 

Primo Levi

(1919-1987)

 

Un topo

 

È entrato un topo, da non so che buco;

Non silenzioso, come è loro solito,

Ma presuntuoso, arrogante e bombastico.

Era loquace, concettoso, equestre:

S’è arrampicato in cima allo scaffale

E mi ha fatto una predica

Citandomi Plutarco, Nietzsche e Dante:

Che non devo perdere tempo,

Bla bla, che il tempo stringe,

E che il tempo perduto non ritorna,

E che il tempo è denaro,

E che chi ha tempo non aspetti tempo

Perché la vita è breve e l’arte è lunga,

E che sente avventarsi alle mie spalle

Non so che carro alato e falcato.

Che sfacciataggine! Che sicumera!

Mi faceva venire il latte ai gomiti.

Forse che un topo sa che cosa è il tempo?

È lui che me lo sta facendo perdere

Con la sua ramanzina facciatosta.

È un topo? Vada a predicare ai topi.

L’ho pregato di togliersi di torno:

Che cosa è il tempo, io lo so benissimo,

Entra in molte equazioni della fisica,

In vari casi perfino al quadrato

O con un esponente negativo.

Ai casi miei provvedo da me stesso,

Non ho bisogno dell’altrui governo:

Prima caritas incipit ab ego.

 

(15 gennaio 1983)

 

A velha fábula do rato

(Margaryta Verkhovets: artista polonesa)

 

Um rato

 

Um rato entrou, não sei de que buraco;

Não silencioso, como é seu hábito,

Mas presunçoso, arrogante e bombástico.

Era loquaz, rebuscado, equestre:

Empoleirou-se em cima da prateleira

E me fez um sermão

Citando Plutarco, Nietzsche e Dante:

Que eu não devo perder tempo,

Blá-blá-blá, que o tempo urge,

E que o tempo perdido não retorna,

E que tempo é dinheiro,

E que quem tem tempo que o aproveite,

Porque a vida é breve e a arte é longa,

E que sente lançar-se às minhas costas

Não sei que carro alado e falcado.

Que petulância! Quanta baboseira!

Era de me torrar a paciência.

Acaso um rato sabe o que é o tempo?

Logo ele, que está gastando o meu

Com essa lenga-lenga descarada.

É um rato? Que vá pregar aos ratos.

Pedi-lhe que saísse do recinto:

O que é o tempo, eu sei perfeitamente.

Entra em muitas equações da física.

Em vários casos até ao quadrado

Ou com um expoente negativo.

E de meus casos quem cuida sou eu,

Não necessito de governo alheio:

Prima caritas incipit ab ego. (*)

 

(15 de janeiro de 1983)


Nota do Tradutor:

(*). Ditado latino: “A primeira caridade (ou o primeiro amor) começa por mim”. (LEVI, 2019, p. 97)

Referência:

LEVI, Primo. Un topo / Um rato. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 94 e 96; em português: p. 95 e 97.

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