A docente e poetisa paulistana aspira por um sótão, quer seja ele de verdade quer mera alegoria, no qual possa vogar no “presente do passado” – por conseguinte, não exatamente com a “poeira” efundida pelos quatro cantos –, enquanto recinto preferencial onde as relíquias do presente lhe sejam coevas ou em pleno curso, uma espécie de denominador comum intertemporal.
Haveria em tal sótão tudo o que lhe fosse por demais característico: postigos estreitos – através dos quais se discernem as tardes frias enquadradas num delimitado horizonte –, e a cobertura em declive – como um caixa craniana onde as vozes ainda ressoam na memória, o ontem tornando-se presença nesse espaço de encontro com “muita gente” – e, a despeito de tudo, o “vazio”...
J.A.R. – H.C.
Beth Cury
(n. 1942)
A Casa
Um sótão,
de fato ou de metáforas.
Como o quero!
Mais fácil, por ora, o figurado.
Um tanto livre, o custo baixo.
Basta um voo
do chão ao sonho
e entro nos guardados
de um passado bem passado
esconderijo de relíquias.
Vozes em eco
no presente
que consente
unir-se o hoje ao sempre.
Um sótão.
Como o quero!
Se já o tivesse... espaço da memória
da gente.
Haveria de ser sem poeira
sem fronteiras
disputado
lugar de privilégio
no presente do passado.
Janelas não, gelosias.
O olhar de dentro, estreito
e o horizonte, e as tardes frias.
Espaço de olhar para dentro.
É certo o encontro.
Muita gente e o vazio.
O estúdio do sótão
(Henri Matisse: pintor francês)
Referência:
CURY, Beth. A casa. In: BERTI SANTOS,
Sonia Sueli (Organização). Diversos: antologia poética. Vários autores.
São Paulo, SP: Andross, 2005. p. 195-196.
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