As palavras são o objeto do encômio do poeta e tradutor carioca, a revelarem precedência sobre as realidades que delas sucedem, boas ou más, pois que, de início, não se deixam capturar em ideologias, percorrendo inocentes em seu coche as vastas paisagens de “signos e estames” que prenunciam uma nova primavera.
As imagens empregadas pelo poeta, conformes ao que se lhe afigura como típicas de um mundo em plena eclosão – melhor seria dizer “renovação”, início da preeminência do “yang” – refletem formas humanas na natureza, por meio das quais modela-se a têmpera desse estágio de regeneração – ao mesmo tempo tangível e espiritual.
J.A.R. – H.C.
Ariel Marques
(1947-2021)
As Palavras (fragmento)
As palavras são inocentes
quais estrelas que só brilham na noite
e não têm culpa de ser beta ou escorpião
as palavras dormem antes do dilúvio
antes dos pífaros egípcios e da santíssima trindade
as palavras não têm ideologias nem compromissos
a não ser com o horizonte e os pássaros iniciais
com a chuva e o estranhíssimo nascimento do fogo
conduzi ó palavras vossa carroça e vosso arado
por sobre as ossadas dos mortos
como as divindades que após as batalhas atravessam
imponentes os campos de marte
flores a nascerem-lhe dos lábios (azuis e amarelas)
os olhos de fogo nas narinas do ar a boca da água
a barba da terra
a celebrar com cítaras hortênsias e odes pânicas
a chegada dos signos e estames da nova primavera
Esta garota está em chamas
(Darel Betita Javier: artista filipino)
Referência:
MARQUES, Ariel. As palavras
(fragmento). In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação). Antologia
da nova poesia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio &
Hipocampo, 1992. p. 37.
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