Uma bela alegoria da arte de escrever poemas: fazer a poesia tocar as
coisas, emulando estados que extravasem os efeitos do tempo, como as aranhas em
seu ofício de urdir as teias, suas tramas tentaculares, por onde se estendem os
“véus de astúcia, morte e viuvez” – eis que os teares instilam, em seus “tatos
improváveis”, ardis para aqueles que se debruçam sobre suas linhas de força.
O poeta vê o seu próprio destino entrelaçado com o dessas aranhas, com
quem espera aprender o “ritmo do salto”, seja ele de que modalidade for:
poderia supor que, no domínio da poesia, um dos mais frequentes saltos é o da evolução temática; depois, o da forma; e, mais à frente – quem sabe? –, o da
distorção do significante e/ou do significado.
J.A.R. – H.C.
Tanussi Cardoso
(n. 1946)
Teias
Alimentar aranhas,
eis o meu ofício.
Deixá-las criar
tentáculos.
Moscas mansas
apaixonadamente
sangrar.
Cuidá-las para tecer
os pequenos vícios
do seu tear:
venenos sutis
tatos improváveis
– vivê-las.
Redescobrir as cores
as sedes e as sedas.
Entrelaçar as sendas
do meu destino nelas:
véus de astúcia
morte e viuvez.
Decifrar sua dança:
rede de valsas
fios de arame.
Aprender com elas
o ritmo do salto.
Em: “Beco com saídas” (1991)
Aranhas Assustadoras
(Robert Phelps:
pintor norte-americano)
Referência:
CARDOSO, Tanussi. Teias. In:
__________. 50 poemas escolhidos pelo
autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2008. p. 11. (Coleção ‘50
poemas escolhidos pelo autor’; v. 35)
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